Planejamento em um mundo veloz

Maurício Magalhães

Administrador com pós-graduação em Marketing. CEO da Giros Filmes, sócio da Mundo Real e ex-CEO da Agência TUDO. Um dos mais reconhecidos profissionais de Marketing do País

Escreve a coluna Marketing aplicado

Planejamento em um mundo veloz

Publicado em 09/02/2021

Em dezembro de 2013, fui convidado pela produtora da qual sou sócio, chamada Giros Filmes, para viajarmos ao polo Sul com a Marinha do Brasil e filmar para o documentário Mar à Vista, que ainda não foi realizado.

A ideia que atraiu a Marinha a nos apoiar foi a tese de que uma das próximas fronteiras a ser explorada pela humanidade é o mar, assim como o espaço. Muitos defendem que a energia, os alimentos, os minérios e, obviamente, a água serão em abundância explorados. Sem dúvida, uma visão muito estratégica e um cenário de longo prazo.

Meu viés seria contar a experiência única de, por sete dias, estar em um dos lugares mais inóspitos e quase sem seres humanos em toda existência desse planeta, porém vou me ater ao aprendizado inesquecível que tive com os oficiais da Marinha.

Ficamos quatro dias na Estação Base Comandante Ferraz filmando intensamente e três dias navegando de volta pelo Drake, em mar indescritível pelo tamanho das ondas. Nesses três dias, com poucas horas de sono, convivi com os oficiais e fiquei surpreendido positivamente pela excepcional qualidade desse grupo e dessa Instituição que o País desconhece: a Marinha do Brasil.

Contaram-me que desde o século XIX a Marinha é a instituição estratégica do País no jogo mundial, mesmo o mar perdendo sua importância relativa no século XX. Ainda assim, segundo eles, esse protagonismo dos oceanos voltará no século XXI.

Pedi exemplos práticos dessa realidade e fatos que ratificassem esse olhar e me deram dois, um que virou realidade e outro que, apesar de décadas de sugestões sistemáticas, nenhum governo democrático acatou, o que nos fez perder bilhões de dólares. O que virou realidade foi a própria instalação da Estação de Pesquisa Comandante Ferraz, fruto de uma decisão de documento assinado pela ONU em 1959, que determina que esse local neutro só terá debate sobre sua exploração em 2040 e que só estará qualificado, e com acento nesse debate, os países que tenham tido estação de pesquisa por décadas. O Brasil, por causa da Marinha, já está nesse seleto grupo.

O outro exemplo frustrado foram os sucessivos alertas da Marinha para o Brasil reivindicar legalmente mais 100 mil milhas marítimas, permitido pelas regras existentes entre países, o que nunca foi feito. Nesse território, milhares de cardumes de atum, que valem milhões de dólares, são pescados pela indústria japonesa. Com isso, durante décadas foram perdidos muitos bilhões, reservas que deixaram de entrar apenas por prioridade de gestão ou miopia estratégica. E olhe que, em 2009, foi criado pela primeira vez o desnecessário Ministério da Pesca. Nem assim exercemos nosso direito.

Esses exemplos vieram acompanhados de minha curiosidade de como eles geriam esses assuntos nesse País tão tático, para não dizer improvisador.

Aí veio o melhor da aula. Todo oficial da Marinha tem um plano de ação e metas com três pautas: a do Hoje (pauta do ano), a do Amanhã (pauta de assuntos para cinco anos), e a do Futuro (pauta de assuntos para 30 anos à frente). A do Futuro e a do Amanhã têm metas e ações de menor quantidade do que a pauta do Hoje, porém qualquer oficial só estará qualificado a promoção caso cumpra a totalidade das pautas. O ponto que destaco dessa metodologia é: o que estamos fazendo hoje em nossas vidas, em nossas empresas, com nossos filhos para daqui a 30 anos?

Voltando à realidade de nossa profissão de administrador, onde temos visto isso nas organizações? A velocidade de rotação do mundo aumentou tanto que se tornou desnecessário o planejamento estratégico de longo prazo?

Tenho ouvido que longo prazo passou a ser o ano próximo e que curto prazo se transformou em três meses. Tem sentido? Pessoalmente tenho muita dúvida.

Outra questão é sobre o tamanho das organizações e essa visão, assunto que muitos defendem uma certa complacência em planejamentos, digamos, “menos rígidos”, em relação a pequenas organizações. Neste caso, não tenho dúvidas, discordo completamente.

Será que existiriam grandes negócios ou negócios duradouros que se reinventaram sem um planejamento, construção de cenários ou análises de oportunidades construídas de forma sofisticada ou sistemática? Acho impossível.

Fui executivo de três grandes organizações antes de empreender e hoje as observo nessa perspectiva que trago aqui. Duas delas, empresas fabulosas e líderes de seus segmentos, morreram e a outra luta para ser reconfigurar.

Na que luta para se reconfigurar, participei em 1999 desse debate tipo “Marinha”, 20 anos à frente, e acreditem, mapeamos muito das transformações digitais. Fomos pioneiros na compreensão do protagonismo do conteúdo em relação à distribuição, e que a distribuição seria outro business. Por que, então, essa empresa não aproveitou as oportunidades pela visão que tinha?

Acho eu que, em primeiro lugar, essa era uma visão em perspectiva, de que no Brasil olhamos mais o mundo do que a nós mesmos, fato que nos faz esperar e observar. Em segundo lugar, a liderança dessa organização não acreditou que, de fato, 20 anos passaria tão rápido e que a sua capacidade de reinvenção seria segura, afinal éramos líder, tínhamos capital, inteligência e velocidade.

Fato que traduz esse olhar ocorreu no conhecido case da Blockbuster e da Netflix. Só que nesse caso, a velocidade atropelou a Blockbuster em sua liderança e suposta velocidade. Por isso, aconselho a leitura do livro A Regra é Não Ter Regras: A Netflix e a Cultura de Reinvenção.

Como administrador e apaixonado por planejamento, apliquei a metodologia Marinha em minha vida. Foi um aprendizado no autoconhecimento. Avaliei que, por instinto, fui em minha vida mais Marinha no Amanhã e no Futuro do que nos “hojes” dos meus 61 anos. Muito do que sonhei e desejei quando me imaginei nessa fase da vida, conquistei.

O fato novo, sem dúvida, é a tal rotação do mundo, que aumentou exponencialmente, mas continuo acreditando que vale sim um sistemático Planejamento Estratégico. Vale muito a metodologia Marinha do Brasil, porém, com a compreensão de que o mundo é VUCA (Vulnerável, Incerto, Complexo, Ambíguo).

Vejo que mesmo com a visão e a consciência que tivemos na empresa em que fui VP de Marketing, e com o exemplo da rápida morte da Blockbuster, o amanhã e o futuro começam sempre no hoje. Acredite na sua visão, aja rápido, corrija mais rápido ainda, só não fique no imobilismo. Faça no hoje, o seu amanhã e o seu futuro!

Veja outros artigos - Maurício Magalhães