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Muito além do discurso

A conscientização das empresas sobre a importância de uma cultura organizacional forte é essencial para a criação de espaços de trabalho mais diversos, nos quais os trabalhadores se sintam acolhidos, respeitados e, consequentemente, mais motivados

Em um momento em que as questões de diversidade e inclusão ganham cada vez mais destaque na sociedade, cabe às organizações duas lições principais a fim de garantir um ambiente mais humanizado para os colaboradores e seus stakeholders: compreender a importância da cultura organizacional e transformar crenças, valores, diretrizes e hábitos. Mais do que isso. Essa reavaliação da cultura também é imprescindível para que os projetos, principalmente os de inovação e sustentabilidade, saiam do papel e caminhem firmes em seus objetivos, proporcionando à empresa mais relevância no mercado. 

Comparada à personalidade da instituição, a cultura organizacional é algo que se transforma o tempo todo, ou seja, vai além das regras escritas na política da empresa. Ela é vivenciada no dia a dia e envolve uma consciência coletiva maior e um comportamento mais colaborativo. “Aprendizados, conhecimentos, erros e acertos fazem parte da construção dos valores no cotidiano de uma empresa. Por isso, identificar os valores que são compartilhados é crucial para construir uma cultura forte”, argumenta Whiny Fernandes, cofundadora do Employer Branding Brasil, plataforma de gestão estratégica de marca empregadora.

Atentas ao crescente movimento que defende maior consciência das empresas sobre o seu papel social, grandes marcas têm apostado em espaços de trabalho cada vez mais diversos e disruptivos, nos quais as pessoas se sentem valorizadas, autênticas e acolhidas e, com isso, estão obtendo resultados favoráveis em seus negócios. “As diferentes visões trazem novas opiniões, aumentam o engajamento da equipe e, consequentemente, fortalecem a imagem da companhia”, completa Whiny.

Os benefícios de uma cultura forte

O alto engajamento e alinhamento entre as equipes, a forte gestão da marca empregadora e a redução de custos e de tempo na contratação de talentos, além da alta retenção desses profissionais, são alguns benefícios que culturas fortes geram nos negócios.

   Whiny Fernandes

Outros pontos positivos foram apontados na Pesquisa Global de Cultura Organizacional 2021, da PwC, realizada com 3.200 lideranças e profissionais de mais de 50 países. O estudo revelou que 67% da diretoria-executiva e membros do conselho acreditam que a cultura é mais importante para o desempenho do que a estratégia ou o modelo operacional da organização, e que 72% da gerência sênior entendem que a cultura organizacional ajuda a impulsionar iniciativas de mudança bem-sucedidas. A pesquisa mostrou, ainda, que para 85% dos entrevistados que veem suas lideranças como “modelos de valor, propósito e cultura”, a cultura de sua organização proporciona uma vantagem competitiva.

“Os líderes e suas respectivas organizações que se sensibilizam para o entendimento da importância de espaços humanizados, que colocam a pessoa no centro das decisões, têm muito mais a evoluir do que os lugares nos quais, às vezes, a gente vê só uma atividade mais conectada com o produto”, explica Marlene Marchiori, CEO da M Marchiori, mentora em comunicação, cultura, liderança e estratégia.

Do papel à prática

Tirar a cultura organizacional do papel e trazê-la para o dia a dia da empresa requer, antes de tudo, coerência, pois não se trata apenas de anunciar, por exemplo, que a instituição decidiu mudar seu ponto de vista e que agora vai seguir por um novo caminho. A implementação do programa de cultura é muito mais do que isso, é a materialização na experiência das pessoas e deve acontecer de forma coerente com aquilo que a empresa declara em sua política.

                                                    Bruno Carramenha

“É importante entender que a cultura de uma empresa é uma coletânea de aprendizado, histórias e aspectos gerados ao longo do tempo e acumulados no aprendizado coletivo. É preciso respeitar tudo o que já aconteceu até o momento, pois, bem ou mal, todo esse histórico trouxe a empresa até os seus dias atuais. É preciso criar combinados no sentido de vislumbrar aonde ela quer chegar tanto em termos de negócio quanto em termos de cultura. Isso tem a ver com uma transformação necessária para a empresa sobreviver, avançar e crescer”, esclarece Bruno Carramenha, sócio-diretor da 4CO, consultoria de comunicação e cultura organizacional.

E, para que as mudanças sejam eficientes, é importante que a cultura seja construída conjuntamente entre os integrantes da organização e a liderança. A partir disso, ela servirá como um norte para as tomadas de decisão em todos os setores da empresa. “Para ter sucesso na mudança da cultura organizacional é importante que a visão, a missão, o propósito e as estratégias estejam claras e alinhadas, de modo que a empresa possa ter seus valores, princípios e normas bem articuladas e convergentes”, orienta a Admª Neusa Bastos, conselheira do CRA-SP e autora do livro “Cultura Organizacional e Desempenho: Pesquisa, Teoria e Aplicação”.

As dores da mudança

Toda transformação cultural demanda tempo e gera desconforto aos líderes, gestores e colaboradores. Para que o movimento se torne algo maior, ele precisa começar a partir do que já existe, porque a tendência da cultura é manter tudo como está e, por este motivo, as mudanças disruptivas têm grandes chances de falhar. “Qualquer movimento de quebra de cultura ou que nos faz ser diferentes é dolorido. Essa dor precisa ser programada, ou seja, é preciso fazer um processo de manejo cultural bem assessorado e que dê conta do tamanho dos movimentos. Crescer dói para todo mundo”, comenta Carramenha.

  Admª Neusa Bastos

No entanto, essa transformação será muito mais efetiva, e um pouco menos dolorosa, se a liderança estiver efetivamente conectada com o tema. “Isso valida o que chamamos de ‘Walk the talk`, que significa fazer as coisas que se prega e não discursar uma coisa e fazer outra. O líder que aceita os novos padrões culturais vai envolver e sensibilizar os demais colaboradores nessa mudança. O ideal é que haja um comitê de cultura para auxiliar no planejamento, porque não é um processo fácil”, afirma a conselheira do CRA-SP.

Outro ponto fundamental nessa etapa é a comunicação. Segundo Whiny, as empresas devem ouvir e fazer com que as pessoas se sintam vistas, seja por meio de pesquisas de satisfação, apresentação de relatórios de evolução ou participação em reuniões de liderança, por exemplo. “É um processo contínuo. Existe um início, um meio, mas não tem um fim. O esforço e o comprometimento são coletivos”, comenta.

Ao fazerem parte das decisões, os colaboradores naturalmente se sentirão comprometidos com os novos objetivos organizacionais. “A cultura não é algo pronto, que transportamos de um lugar para o outro. A cultura é aquilo que vivenciamos e, a partir disso, criamos conexões”, ressalta Marlene. 

                                                     Marlene Marchiori

D&I nas empresas

Um dos principais pontos ligados à uma cultura forte é a promoção da Diversidade e Inclusão (D&I) nas empresas, que não se limita apenas à contratação de pessoas de diferentes idades, gêneros, raças, orientações sexuais e deficientes. Uma organização diversa é aquela que dá espaço para todos, respeita e valoriza as individualidades e põe em pauta ações afirmativas relativas aos diferentes marcadores sociais. “Diversidade está no pensamento, na forma de agir, na maneira de criar algo muito melhor a partir de vários olhares”, diz a CEO da M Marchiori.

Embora o tema esteja presente em muitas organizações brasileiras, ainda há muito a avançar para aumentar a diversidade no mercado de trabalho. De acordo com a pesquisa “Diversidade, equidade e inclusão nas organizações”, realizada pela Deloitte em 2021, com a participação de 215 empresas, 81% das companhias têm grupos de afinidade para endereçar temas de diversidade; entretanto, em apenas 23% das organizações as mulheres ocupam mais da metade dos cargos de liderança e em 24% dos conselhos de Administração sequer existe a participação feminina. Além disso, só 35% das empresas têm metas relacionadas à inclusão.

Para mudar esse cenário, é necessário que as companhias realmente queiram mudanças mais profundas. “Essa evolução pró-diversidade e inclusão não é um projeto simples, pontual e de curto prazo, mas sim uma jornada, na qual a liderança tem que entender que não se trata apenas de cumprir uma métrica”, esclarece Neusa.

Como implementar a D&I nas empresas

Antes de implementar uma cultura de inclusão, a empresa precisa entender como isso será positivo para ela e só então seguir para um programa de ação. Embora não exista um único modo de implantar, uma vez que cada empresa possui suas particularidades, é recomendável começar por um diagnóstico da organização e, a partir disso, criar políticas de inclusão, comitês de diversidade e métricas para avaliar esses avanços.

Carramenha sugere, ainda, que a cultura inclusiva seja construída com base em três pilares. O primeiro deles é conhecido como visão, ou seja, como a alta liderança, de fato, lida com o tema, o quanto ela acredita e fala sobre isso, buscando aprender e se conectar com a questão.

O segundo pilar é a gestão, que tem a ver com o modo de a empresa se estruturar para fazer da diversidade uma realidade. “A organização cria uma política sobre diversidade, revisa os aspectos de acessibilidade para assegurar que todos os envolvidos consigam acessá-la de qualquer lugar e repensa suas práticas e processos”, completa Carramenha.

E o terceiro pilar é chamado de percepção: como as pessoas se sentem na empresa? O ambiente é acolhedor? O espaço é propício para que o profissional seja quem realmente é? A empresa aceita as piadinhas ou isso é algo crítico?. “Essa leitura de ambiente, da percepção de como as pessoas se sentem, principalmente daqueles que se identificam com algum contexto de diversidade, é uma busca por uma cultura inclusiva”, esclarece o sócio-diretor da 4CO.

Na medida em que as mudanças acontecem, o resultado começa a aparecer. “Não é automático e, em um primeiro momento, precisa de esforço, engajamento e de uma sensibilização muito grande da liderança para essa ‘roda’ começar a girar”, complementa a conselheira do CRA-SP.

“A atenção ao tema hoje é maior do que ontem e imagino que amanhã isso será ampliado ainda mais. Desejo que as organizações se comprometam de verdade, não só no discurso, mas de corpo e alma para fazer essa mudança tão necessária na sociedade e que só vai acontecer se as empresas participarem de verdade”, conclui Carramenha.

ESPECIAL

Foco nas pessoas

Por entenderem que a cultura é sobre pessoas e que a empresa só vai atingir seus objetivos e metas por meio delas, muitas organizações passaram a elaborar estratégias de desenvolvimento e engajamento focadas nos profissionais da companhia. 

Tal iniciativa passou a fazer parte da parte do dia a dia da Roost, empresa especializada em soluções com foco na internet das coisas (IoT). Ela tem como filosofia que a melhoria contínua concentra-se nas pessoas e, por isso, tem buscado resultados excepcionais para os clientes, parceiros e equipe por meio da inclusão, diversidade, igualdade e sustentabilidade, seguindo os 17 ODS da ONU. Além disso, a empresa possui uma agenda forte e comprometida com a temática ESG, o que rendeu filiações ao Pacto Global da ONU, ao Instituto ETHOS e ao Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+.

                                                  Eliezer Silveira Filho

Para que o desenvolvimento sustentável não fosse apenas da porta para fora, a empresa também passou a focar em um time cada vez mais diverso. “Estamos comprometidos com as pautas que compreendemos como ESG e, acima de tudo, com as pessoas. Estou muito orgulhoso do quanto conseguimos evoluir”, comenta Eliezer Silveira Filho, Managing Director da Roost, considerado um dos 100 executivos LGBT mais influentes do mundo em 2019, de acordo com a premiação LGBT+ Role Model Lists, feita pela Outstanding e apoiada pelo Yahoo Finance.

Ele conta que o primeiro passo que a Roost levou em consideração durante a construção de sua cultura organizacional foi identificar os pontos e valores das lideranças e depois os das pessoas, ou seja, o que elas enxergam como algo transformador e importante dentro do que fazem, para então fazer um meet desses resultados. “Cultura organizacional é um alinhamento de valores, é identificar todos os níveis da organização, desde a pessoa que está na posição hierárquica mais elevada até o colaborador em início de carreira. Esse equilíbrio de encontrar e alinhar os objetivos é o fator principal para a construção de uma cultura organizacional adequada”, considera o executivo.

Entre os desafios encontrados no processo de implantação da cultura, Silveira conta que a Roost, após ser adquirida por uma organização internacional, precisou aliar essa nova visão com a história de uma empresa tradicional, de 36 anos. “Isso foi possível graças ao diálogo, porque, de certa forma, as pessoas querem as mesmas coisas e conversando é possível encontrar o ponto de equilíbrio entre colaboradores e empresa”, relembra.

Para incentivar as práticas de diversidade dentro da companhia, o executivo considera importante entender que diversidade e inclusão não se referem apenas a grupos minorizados e, sim, a todos, pois as pessoas têm características que as fazem únicas. “Temos que parar com o discurso de que somos todos iguais, porque na verdade somos todos diferentes. Por isso, devemos criar espaços nos quais as pessoas se sintam acolhidas pela diversidade e valorizem as diferenças, de modo que ninguém se sinta excluído”, ressalta.

Ele conta, também, que na Roost foi mais fácil implementar programas de D&I pelo fato dele ser o CEO da empresa e uma pessoa LGBT que trabalha essa pauta há muito tempo. “Se a liderança atua como patrocinadora dessa temática, isso reverbera mais dentro da organização e garante que as coisas realmente aconteçam”, afirma.

  Vittorio Danesi

Ações por meio do exemplo

Assim como a Roost, a Simpress, empresa do grupo HP e especialista em outsourcing de soluções e equipamentos de TI, também entendeu que não se constrói cultura organizacional sem dar exemplo. É com esse passo inicial, desenvolvido e exercitado por toda a liderança, que haverá o “cascateamento” para os outros níveis hierárquicos da companhia.

De acordo com Vittorio Danesi, CEO da Simpress, com a implantação da cultura organizacional na empresa foi possível perceber uma homogeneização e uniformidade de modelo mental no negócio. “Essa cultura homogênea traz mais eficiência e produtividade e, principalmente, mais paixão pela companhia e um engajamento maior dos colaboradores”, conta. O CEO lembra, porém, que há um diálogo contínuo nesse processo. “Para que a mudança seja bem-sucedida, há um processo constante de comunicação em volta de crenças, valores, metas e objetivos que a organização possui”, ressalta. 

Quanto à questão da diversidade, Danesi lembra que a pauta de D&I faz parte da Simpress há muitos anos. Ele conta que o tratamento do tema teve início com a alta administração, com o conceito de fomentar o desenvolvimento da cultura, de acolher e tratar com naturalidade esses assuntos. “Esse trabalho nos trouxe uma boa avaliação no GPTW (Great Place to Work - traduzido como Melhores Lugares para Trabalhar). Há dois anos, decidimos entender de maneira mais profunda o que se passa em cada um desses marcadores e criamos squads (grupos) de cada tema, com o objetivo de desenvolver ações e proporcionar um ambiente cada dia mais acolhedor e diverso”, finaliza o CEO.



Revista Administrador Profissional - ADM PRO
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