Um mundo por trás dos pousos e decolagens - CRA-SP
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Um mundo por trás dos pousos e decolagens

Cada vez mais complexos, os aeroportos congregam uma série de serviços que trazem consigo inúmeros desafios diários

Com o desenvolvimento de instalações e serviços comerciais e o aumento exponencial no número de usuários nos últimos anos, os aeroportos deixaram de ser apenas o lugar de pouso/decolagem de aeronaves e embarque/desembarque de passageiros. Hoje, eles são grandes centros de negócios, comparados a pequenas e grandes cidades, dependendo do seu porte. Toda essa transformação também resultou em uma série de desafios para os seus gestores, que passaram a atender não só às regras aplicadas aos aeroportos, como também às alternâncias do mercado e do perfil daqueles que utilizam o transporte aéreo.

Se por muitas décadas os cargos de gestão eram ocupados por ex-pilotos e militares da aeronáutica, com foco basicamente operacional, nessa nova realidade o perfil desta posição evoluiu consideravelmente. Segundo o Adm. Cleo Marcus Garcia, gestor de aeroportos e vice-coordenador do curso de Ciências Aeronáuticas na UNISUL, cabe ao gestor o papel de dirigir, coordenar e avaliar, por meio do seu corpo gerencial, todas as questões relacionadas às operações de aeronaves e passageiros, manutenção da infraestrutura, planos de construção e ampliação, relacionamento com a comunidade, marketing, concessão de áreas, carga aérea, finanças, recursos humanos, entre outras.

“O gestor de aeroportos tem a palavra de autoridade aeroportuária. Ele deve saber o momento em que precisa reforçar o policiamento militar ou, então, a hora de chamar a vigilância sanitária para fiscalizar uma área específica. É o responsável, também, por cobrar a empresa aérea que não está cumprindo a pontualidade e prejudicando os passageiros. Enfim, é dele a responsabilidade de garantir que todos os pontos estejam adequados e em sinergia”, explica o superintendente de Gestão da Operação da Infraero, Paulo Eduardo Cavalcante.

Desafios operacionais

Além de gerenciar as atividades operacionais, administrativas e orçamentárias dos aeroportos, os gestores se deparam diariamente com diversos desafios, entre eles as questões ambientais e de segurança (safety e security). De acordo com Garcia, a Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) tem estabelecido regulamentos específicos sobre os impactos ambientais relacionados à aviação, especialmente no que diz respeito à fabricação de aeronaves, incentivando a utilização de combustíveis alternativos, bem como a redução ou eliminação do ruído aeronáutico, um dos problemas mais significativos, inclusive de saúde pública, associados às operações dos aeroportos. 

   Adm. Cleo Marcus Garcia

Além disso, há também o investimento no conceito de Green Airports, que atende aos recentes critérios de sustentabilidade, reduzindo os efeitos das atividades aeroportuárias no meio ambiente e amenizando o impacto das mudanças climáticas nas instalações e operações relacionadas à sua atividade. “A indústria da aviação mundial é responsável por 2% de todas as emissões de CO2 no mundo”, explica o gestor.

Para o superintendente da Infraero, o foco é sempre voltado à segurança dos passageiros e dos voos e, para isso, é necessário muito esforço em conjunto, ou seja, a integração de todos que estão envolvidos na operação, como os órgãos públicos e os reguladores no âmbito do DECEA (Departamento de Controle do Espaço Aéreo) e da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), além das empresas aéreas e do próprio aeroporto em si, que tem a realidade de uma cidade. 

Garcia complementa ao afirmar que o sucesso das operações depende essencialmente da interação entre o gestor e toda a comunidade aeroportuária, por meio de reuniões periódicas com comissões específicas, como a Comissão de Coordenação Aeroportuária (CCA), o Centro de Gerenciamento Aeroportuário (CGA) e a Comissão de Segurança Aeroportuária (CSA). “Nos encontros são estabelecidas as diretrizes, melhorias, informações, entre outros assuntos que impactam diretamente na operação”, explica o gestor.

 Alta demanda

O processo de desregulamentação do setor aéreo brasileiro, ocorrido nos anos 90, impulsionou o crescimento da área. Nos anos 2000, o número de passageiros transportados girava em torno de 32,92 milhões. Já em 2014, essa demanda saltou para 102,32 milhões de pessoas, o que representa um aumento de mais de 210%. “A indústria da aviação brasileira (que inclui aeroporto, tráfego e empresas aéreas, além de prestadores de serviços) não suportou tamanho crescimento em tão pouco tempo. O resultado foi o colapso conhecido como apagão aéreo, que marcou negativamente o setor. A Europa vive hoje uma situação muito semelhante”, conta Garcia. 

Para equilibrar a demanda aérea e a capacidade do aeroporto, o administrador afirma que o planejamento é fundamental. A partir dele, é possível assegurar a utilização eficaz dos recursos, a fim de satisfazer a demanda da aviação de uma forma economicamente viável. Contudo, essa tarefa não é apenas do seu operador, mas sim de todos os interessados na infraestrutura aeroportuária.

Nesse mesmo pensamento, o superintendente da Infraero reitera que o planejamento precisa envolver as empresas aéreas, a demanda e a malha atual, ou seja, os voos que estão sendo oferecidos atualmente versus a sua ocupação.

Ambos os especialistas concordam que para melhorar a capacidade de atendimento é indispensável o alinhamento entre os Planos Diretores dos municípios e dos aeroportos, pois vários destes foram sufocados pela urbanização, restringindo as possibilidades de expansão. De acordo com o administrador, há edificações que interferem nas zonas de proteção dos aeroportos, que por sua vez mantêm acessos que não comportam a demanda de chegada e partida dos usuários. Além disso, muitas pistas não podem ser ampliadas, pois não há área disponível. 

“É importante que o aeroporto e a indústria da aviação proporcionem terminais flexíveis, planejados e construídos de forma que permitam futuras modificações a um menor custo e, ao mesmo tempo, respondam às variações de demanda ou evolução das necessidades dos passageiros, operadores aéreos e aeronaves. Para alcançar esses objetivos, o planejamento precisa ser flexível, equilibrado e visionário”, sugere Garcia.

                                           Paulo Eduardo Cavalcante

Melhor experiência

Com o aumento exponencial de usuários, cada vez mais exigentes, os aeroportos têm buscado compreender o perfil de seus clientes e suas necessidades para, assim, oferecer a melhor experiência de viagem. E tal experiência vai além de simplesmente chegar ao aeroporto e pegar o voo para o destino.

Na opinião do superintendente da Infraero, oferecer facilidades como alimentação com preços acessíveis, farmácias, berçários, varejo, e, principalmente, uma comunicação visual adequada, que permita ao passageiro ir e vir de qualquer parte do espaço, agrega valor à jornada. “Tentamos dar ao nosso passageiro a melhor experiência possível em todos os quesitos, desde a sua chegada ao embarque até a saída do aeroporto”, avalia Cavalcante.

O superintendente diz, ainda, que é muito importante que a pessoa que administra o aeroporto também tenha uma visão de negócio, afinal, as receitas não aeronáuticas, originadas dos serviços comerciais, se equiparam e, em muitos casos, ultrapassam as receitas aeronáuticas, relacionadas às tarifas cobradas diretamente pela operação de uma aeronave, como pouso e decolagem. 

Garcia comenta que nesse conceito de Aeroporto Cidade, os espaços mais modernos não se restringem mais às lojas, lanchonetes e serviços básicos de apoio ao passageiro. Eles passaram a oferecer eventos culturais, hotéis e restaurantes sofisticados. “No aeroporto de Las Vegas, por exemplo, há a possibilidade de visitar um museu no terminal de passageiros. Já no de Amsterdam, há uma galeria de arte, e no de Estocolmo existe uma capela, onde em um único ano foram realizados mais de 400 casamentos”, conta o administrador.

    Adm. Marcel Gomes Moure

Satisfação para todos

A experiência do cliente não é algo exclusivo para os passageiros. Para o Adm. Marcel Gomes Moure, presidente da Rede Voa, concessionária privada de 16 aeroportos no Estado de São Paulo, além de todo o cuidado e atenção com o usuário final, que é o passageiro, ele também se atenta aos clientes do B2B2C (Business-To-Business-To-Consumer), isto é, os concessionários, cessionários e subcessionários, que investiram em hangares, lojas de conveniência, cafés e estacionamentos. 

“Apesar de haver uma relação contratual entre nós, sempre fomos muito transparentes e demonstramos a importância de tratar bem cada um deles. Na Voa, não temos preferência e não importa o tamanho do cliente, devemos apenas ter coerência com o que falamos. O grande negócio do B2B2C é estar sempre aberto, assim a demanda, seja ela a mais simples ou a mais sofisticada, tende a ser equacionada no menor prazo possível”, explica o presidente.

As novas tecnologias também contribuem consideravelmente para a melhor experiência, dando ao passageiro mais independência no embarque e desembarque, reduzindo substancialmente o tempo de processamento. “Em muitos aeroportos, a bagagem percorre quilômetros sem a interferência humana e é colocada diretamente no porão da aeronave. Já em alguns terminais internacionais, os clientes podem usar a tecnologia de reconhecimento facial para fazer o check-in, despachar a bagagem, identificar-se na segurança e embarcar na aeronave. Essa tecnologia certamente chegará ao Brasil em breve”, relata Garcia.

Além dos benefícios para os usuários, a tecnologia também auxilia os gestores na tomada de decisão. Um exemplo é o sistema de câmeras inteligentes, que dispara avisos quando há alguma situação fora do comum. “Quando há aglomeração em uma área específica, por exemplo, seja o motivo que for, um delito ou acidente, a situação pode ser atenuada com esse recurso”, exemplifica o superintendente da Infraero.

Padrão de qualidade

Seguindo as diretrizes instituídas pela Organização da Aviação Civil Internacional - OACI, que envolvem os princípios e técnicas de navegação aérea internacional e favorecem a segurança, a eficiência, a economia e o desenvolvimento dos serviços aéreos, muitos aeroportos brasileiros conquistaram o Certificado Operacional por atenderem os padrões obrigatórios. 

“Podemos afirmar que o Brasil está em um padrão internacional, uma vez que possui todos os requisitos estabelecidos pela Organização. Considero nossa situação melhor que a de vários países de primeiro mundo. Enquanto muitos deles precisam dedicar seus recursos em apenas três ou quatro aeroportos, o Brasil, devido à sua extensão territorial e dependência do transporte aéreo, foca em mais de 20 aeroportos principais”, comenta Garcia. 

Para conseguir tal certificação é preciso investir pesado em infraestrutura. “A Infraero intensificou muito esse trabalho nos últimos anos. Fizemos várias obras que foram entregues dentro do prazo e do custo planejado. Isso denota um planejamento eficiente. O reflexo desses investimentos resultou em três aeroportos certificados em 2019, além dos de Santos Dumont (RJ) e Congonhas (SP) em processo de certificação”, conta Cavalcante.

O superintendente ressalta, ainda, que esses investimentos permitem que os aeroportos que estavam ou ainda estão com a Infraero sejam passados para o setor privado em boas condições e com níveis de segurança e manutenção elevados, garantindo, assim, a continuidade do desenvolvimento pelos futuros concessionários.

Para o presidente da Rede Voa, bem mais do que passar a concessão do setor público para o privado, é preciso entender qual retorno os recursos investidos irão trazer para o futuro daquele aeroporto. “Nós temos que recuperar o passado, pois não só o concedente, mas a sociedade quer a recuperação do que ele foi no passado. Após isso, fazemos melhorias para o futuro. O grande desafio que temos pelos próximos anos é o de conectar o aeroporto à cidade. Os planos de mobilidade urbana precisam estar junto ao aeroporto”, finaliza Moure. 




Revista Administrador Profissional - ADM PRO
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