Humanização: um pequeno manifesto introdutório

Idalberto Chiavenato

Presidente do Instituto Chiavenato. Um dos autores nacionais mais respeitados na área de Administração e RH, com mais de 30 livros publicados. Professor convidado de várias universidades nacionais e do exterior.

Escreve a coluna Tendências da Administração

Humanização: um pequeno manifesto introdutório

Publicado em 12/08/2020

Ao redor do dia 9 de setembro - dia do Administrador - teremos o Encoad 2020, evento anual do CRA-SP que será dedicado ao tema Humanização. Assunto de suma importância para nós administradores. Por vários motivos.

O primeiro deles é que a Administração é um fenômeno organizacional e toda organização é basicamente criada por pessoas, com as pessoas e para as pessoas. Sem pessoas não há organizações, mesmo com todo o imenso arsenal de novas tecnologias emergentes, pois as organizações continuam sendo sistemas eminentemente sociais, vivos, abertos, dinâmicos e em constante e intensa renovação. Sistemas que envolvem enorme aglutinação humana e que são destinados a criar e agregar valor continuamente para satisfazer necessidades e expectativas da sociedade. Aliás, necessidades e expectativas também humanas.

E sem esquecer que um dos mantras atuais da moderna Administração é assim expresso: recursos organizacionais devem ser administrados, pois são estáticos, inertes, uniformes e sem vida própria; pessoas não. Elas devem ser engajadas, empoderadas, motivadas, impulsionadas e lideradas, pois são ativas e proativas, inteligentes e dotadas de competências essenciais ao sucesso de toda e qualquer organização.

Tudo isso nos leva a pensar com mais clareza: será que chegamos a um ponto em que as organizações que administramos ou ajudamos a administrar já alcançaram um nível de humanização compatível com o século em que vivemos? Afinal, estamos na Era Digital! Mas parece que não. Em toda crise - e o nosso país as tem mais do que podemos aguentar - a primeira providência já sabemos onde se vai cortar. E foi o que aconteceu.

E o que seria um nível de humanização adequado para o nosso século atual?

Acontece que até hoje ainda se fala em mão-de-obra, mão-de-obra direta ou indireta e, ainda, mão-de-obra produtiva ou improdutiva! O que se fala sobre a força de trabalho ainda lembra Adam Smith na década de 1890, quando hoje temos uma excelente comunidade colaborativa de talentos em muitas de nossas empresas. E aqui vai mais um desabafo: a própria denominação da área humana. Tenho um livro sobre Recursos Humanos que está na 11ª edição e extremamente atualizado. Mas na introdução e em todos os momentos possíveis faço questão de dizer: pessoas não são recursos. Elas são gente como a gente. Acontece que essa denominação é mundial e a área de gestão humana é assim conhecida em todos os países, onde a literatura corrente fala ainda em Administração de Recursos Humanos. Tenho outro livro, Gestão de Pessoas, que passa para o novo papel de Gestão do Talento Humano, onde a gestão é do talento que as pessoas têm e não sobre a gestão delas. Tal como se faz com a gestão do conhecimento. Todos estes temas precisam ser abordados e discutidos abertamente e, sobretudo, atualizados em tão importante evento.

Sabemos que em toda empresa tudo acontece graças às pessoas. São elas que atuam no mercado, produzem eficiência e eficácia nas suas ações, promovem produtividade e qualidade nos produtos e serviços. Pessoas somente representam custos quando são mal aproveitadas e mal conduzidas. Os gestores mais bem-sucedidos são aqueles que sabem conduzir as pessoas e torná-las verdadeiras parceiras do negócio e não simplesmente recursos humanos, empregados ou meros funcionários. Essa é a diferença. Aliás, como são chamadas as pessoas que trabalham em sua empresa? Mão-de-obra? Operários? Empregados? Se você as chama assim então será exatamente assim que elas se comportarão. As pessoas costumam incorporar os papéis que lhes são solicitados. Ou impostos. Assim, elas devem ser chamadas e tratadas como parceiros e colaboradores do negócio. Mas não basta apenas mudar o nome pelo qual elas são chamadas. Isso até pareceria cômico para muitas delas. É preciso mudar todo o entorno ao redor delas, como a modelagem do trabalho, a cultura empresarial, os valores e o estilo de gestão a que elas estão envolvidas. Uma questão de mentalidade. A gestão afeta profundamente as pessoas e suas vidas, seja no trabalho ou fora dele. E a Administração é muito mais do que exercer autoridade e comando sobre as pessoas. O velho estilo de mandar e obedecer faz com que a gestão seja o agente ativo e as pessoas sejam o sujeito passivo em uma relação dual de força e submissão. Não é isso o que se pretende. O importante é tornar as pessoas os agentes ativos e proativos na empresa. Por isso, não se fala mais em administrar as pessoas, mas sim em administrar com as pessoas os demais recursos da organização.

A excelência em gestão começa com as pessoas. O primeiro passo para o sucesso de um administrador – não importa em que tipo de empresa esteja atuando, em que nível hierárquico ou área esteja situado ou quais são seus objetivos profissionais – é saber cercar-se de pessoas competentes. Para tanto, o administrador precisa necessariamente saber formar uma equipe de trabalho, atraindo, engajando e retendo as pessoas certas, aplicando adequadamente as competências e habilidades das pessoas, treinando e preparando as pessoas para um trabalho cada vez melhor, recompensando-as a fim de reforçar continuamente o desempenho excelente, avaliando-as e proporcionando retroação e, sobretudo, saber liderar, conduzir e entusiasmar.

Contudo, quase sempre os maiores desafios estão dentro de nós mesmos. O primeiro passo está em rever e reimaginar as nossas próprias concepções e premissas a respeito das pessoas: os nossos semelhantes e a maneira como os tratamos, como os consideramos e qual é o papel que desejamos a eles.

Na verdade, todo administrador, nas suas atividades profissionais, precisa ter em mente miríades de preocupações com as pessoas, já que a principal delas é a comunicação, motivação e liderança:

O que as pessoas de minha organização esperam de mim como líder?
Qual é o tempo que alocamos para cogitar do bem-estar das pessoas?
Qual é o conteúdo humano de minha agenda profissional?
Quais são as minhas prioridades no meu trabalho?
Qual é o meu processo para construir e conduzir a minha equipe?
Quais são meus compromissos com as pessoas de minha empresa?
Como é o meu relacionamento pessoal com as pessoas?
Qual é a infraestrutura de suporte e apoio que ofereço a elas?
Como me comunico normalmente com elas? Como as ouço?
Qual é o tipo de feedback que quero transmitir e receber delas?
Como lidero as pessoas que trabalham comigo?
Quais o tipo de relacionamento humano que desejo manter com as pessoas?
Como lidar com a cultura e a mentalidade existente na empresa?
Na minha empresa tenho pessoas com experiências e prioridades diferentes: como fazê-las felizes sem discriminação?
Como alcançar diversidade, inclusão e engajamento em minha empresa?
Como proporcionar às pessoas condições para alcançarem seus próprios objetivos pessoais no trabalho?
Como fazer para que as segundas-feiras sejam um dia melhor do que as sextas-feiras para elas?
Como fazer da minha empresa o melhor lugar para se trabalhar?
Como estou envolvendo as pessoas no novo mundo da Era Digital?
Como estou preparando as pessoas para a 4ª Revolução Industrial?
Quais os indicadores e métricas usaria para avaliar o grau de humanização de minha empresa?
E qual é o grau de humanização que quero manter na minha empresa?

Temos, nos tempos atuais, uma ampla janela aberta de oportunidades únicas de mudança e de transformação. E sei que todos estes pontos - e mais muitos outros - serão abordados em profundidade no Encoad 2020. E tenho certeza de que essas contribuições serão enormemente importantes para uma legítima onda de humanização em nossas organizações.

Como administradores e líderes, humanizar as nossas empresas deve ser uma missão muito nossa. E que seja bem alcançada. Afinal, essa é a nossa praia: quem poderia entender mais disso do que o administrador?

RODRIGO TADEU TAVARES

17/08/2020 Excelente conteúdo reflexivo, muito bem elaborado e abrangente sobre Humanização e o papel da liderança. Fico muito feliz e honrado pela oportunidade de termos Chiavenato com seu conhecimento técnico excepcional, e vasta experiência como mais um dos colunistas na ADM PRO. Certamente só tem a agregar valores em geral para todos os leitores!

RODRIGO TADEU TAVARES

17/08/2020 Excelente conteúdo reflexivo, muito bem elaborado e abrangente sobre Humanização e o papel da liderança. Fico muito feliz e honrado pela oportunidade de termos Chiavenato com seu conhecimento técnico excepcional e vasta experiência como mais um dos colunistas na ADM PRO. Certamente só tem a agregar valores em geral para todos os leitores!

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