Afinal, para quem o Administrador trabalha?

Idalberto Chiavenato

Presidente do Instituto Chiavenato. Um dos autores nacionais mais respeitados na área de Administração e RH, com mais de 30 livros publicados. Professor convidado de várias universidades nacionais e do exterior.

Escreve a coluna Tendências da Administração

Afinal, para quem o Administrador trabalha?

Publicado em 12/08/2020

Vivemos em um mundo de negócios carregado de volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade. Os mercados estão se transformando em uma velocidade fenomenal, o que leva à necessidade de manter-se intimamente conectado com o mundo que existe lá fora da empresa. É que cada empresa faz parte integrante de uma complexa e sofisticada cadeia de valor e geração de riqueza de forma integrada e da qual depende estreitamente para o seu sucesso nos negócios. Melhor dizendo, cada empresa faz parte ativa e integrante de uma enorme e dinâmica constelação de valor para gerar e distribuir riqueza.

Ou seja, de um ecossistema integrado através do qual cada empresa importa insumos de outras empresas, processa-os, transforma-os e exporta resultados para outras empresas e onde o valor e a riqueza são criados e distribuídos a um enorme contingente de integrantes e partes interessadas através de interações, intercâmbios e trocas que se repetem cotidiana e incessantemente. Uma verdadeira simbiose colaborativa em que a associação de vários organismos de espécies diferentes lhes permite viver e conviver com vantagens recíprocas e os caracteriza como um só organismo.

O Administrador precisa olhar para fora da caixa. O mundo lá fora da empresa requer tanta atenção quanto ao mundo que existe dentro dela. É preciso atentar também para as entradas e saídas do sistema empresarial.

Pense bem, até um tempo atrás, as empresas existiam exclusivamente para proporcionar retornos e valor aos seus proprietários, acionistas e investidores (shareholders) para que eles continuassem investindo e garantindo a continuidade do negócio. O documento mais importante era o balanço contábil e os demonstrativos financeiros para visualizar o sucesso do negócio. O Administrador precisava prestar periodicamente contas e oferecer retornos aos shareholders. Sem o apoio e suporte financeiro desses aliados nenhuma empresa tem condições de operar, competir e existir. Este ponto de vista continua válido até hoje. A continuada contribuição dos shareholders é imprescindível para a competitividade e sustentabilidade do negócio.

Shareholders são os públicos estratégicos fornecedores de recursos financeiros e do capital de risco do negócio da empresa.

Mais adiante, as empresas precisaram cuidar também de suas amplas cadeias de suprimentos para garantir a continuidade da produção de seus produtos ou serviços. O Administrador precisou então fazer bons negócios com seus fornecedores para conseguir manter um contínuo pipeline de insumos, como recursos materiais, matérias-primas, equipamentos, serviços, energia, informação, tecnologia, consultoria, auditoria, propaganda etc. Sem essa ampla gama de fornecedores de suprimentos nenhuma empresa tem condições de operar, competir e existir. Este ponto de vista também continua válido até hoje. A contribuição dos fornecedores de insumos e entradas é imprescindível para a competitividade e sustentabilidade do negócio.

Fornecedores são os públicos estratégicos ofertantes de insumos necessários às operações do negócio da empresa. Sãos os responsáveis pelas entradas do sistema empresarial.

Logo depois, as empresas perceberam que era necessário também criar valor ao cliente ou consumidor para satisfazê-lo e mantê-lo fiel. E o Administrador ganhou uma nova preocupação com a criação de valor e fidelização do cliente. Sem clientes, consumidores ou usuários nenhuma empresa é viável. O atendimento ágil e ótimo às demandas e exigências dos clientes é também imprescindível para a competitividade e sustentabilidade do negócio.

Clientes, consumidores ou usuários são os públicos estratégicos que adquirem, compram ou utilizam os produtos e serviços oferecidos pelo negócio da empresa. São os responsáveis pelas saídas do sistema empresarial.

Depois se pensou também em construir e reter talentos para manter a competitividade e sustentabilidade do negócio. Nenhuma empresa funciona sem pessoas, sejam administradores ou colaboradores. E o Administrador ganhou outra nova preocupação com a criação de valor e fidelização dos talentos. Sem eles, nenhuma empresa pode existir. A contribuição dos talentos é inegavelmente imprescindível para o negócio.

Talentos são os públicos estratégicos que realizam a estratégica, tática e operações do negócio da empresa. São os responsáveis pelos aspectos estratégicos, táticos e operacionais do sistema empresarial.

Hoje, as empresas precisam atender e satisfazer uma longa e ampla lista de públicos estratégicos, interessados direta ou indiretamente no negócio. São os chamados stakeholders: na ponta das entradas e insumos do sistema existe uma enorme e sofisticada cadeia de fornecedores e suprimentos (envolvendo energia, serviços, recursos, materiais e matérias-primas, equipamentos, tecnologia, consultoria, auditoria, etc.) e na ponta das saídas o mesmo em relação a uma enorme e sofisticada cadeia de intermediários, atacadistas e varejistas na ponta final (para colocação de seus produtos ou serviços no mercado até o cliente, consumidor ou usuário). Além, é claro, dos shareholders que oferecem o capital financeiro de risco do negócio.

Nenhuma empresa vive sozinha no mundo dos negócios. Toda empresa faz parte de um complexo ecossistema colaborativo com outras empresas que fazem parte dos seus insumos e entradas e com empresas que fazem parte das suas saídas e entregas para o mercado. A manutenção desse ecossistema colaborativo é fundamental para a competitividade e sustentabilidade do seu negócio.

E além disso tudo, as empresas precisam também atender aos critérios de fiscalização das agências reguladoras (agências governamentais, sindicatos, conselhos federais e estaduais, associações de classe, etc.), opinião pública, sociedade e até mesmo concorrentes. No interior do sistema, os talentos como colaboradores, gestores, diretores e o presidente. E lá em cima uma entidade supraorganização, denominada Conselho de Administração com seu presidente e conselheiros representando os acionistas, o conselho fiscal e a auditoria para garantir a sua governança corporativa.

Nesse complexo ecossistema toda empresa precisa seguir as regras legais, sociais e éticas do negócio e garantir sua responsabilidade financeira, social e ambiental para garantir a competitividade e sustentabilidade do negócio.

Cada stakeholder - seja ele interno ou externo, direto ou indireto - investe no negócio à sua maneira no sentido de obter retornos de seus investimentos. Ele precisa ser satisfeito em seus investimentos no negócio da empresa e obter retornos satisfatórios para dar continuidade aos seus investimentos. A lista de stakeholders é enorme. E todos eles são importantes na medida de suas contribuições diretas ou indiretas ao negócio da empresa. Até se pode fazer uma gradação da importância estratégica de cada um deles para poder privilegiar alguns em detrimento de outros menos importantes. Não se trata mais de apenas reter acionistas e investidores (finanças), fornecedores e canais de suprimentos (produção ou operações), clientes e consumidores (marketing) ou executivos e talentos (RH), pois seria até muito fácil.

Pensar em satisfazer exclusivamente em único stakeholder hoje seria uma temeridade. É preciso pensar nesse ecossistema contributivo total no sentido de oferecer retornos satisfatórios a todos eles, proporcionais à sua importância estratégica ou à contribuição feita ao negócio da empresa.

Agora, o desafio é satisfazer e reter todos - e não apenas alguns - dos múltiplos stakeholders em uma abordagem de 360 graus para manter competitivo e sustentável o negócio em sua integridade, afim de proporcionar a cada um deles parte do valor gerado e garantir o retorno e a continuidade de seus investimentos. Perder um stakeholder (seja ele um acionista, um fornecedor, um cliente ou um talento) é deveras prejudicial ao negócio. É preciso mantê-los todos satisfeitos e engajados para manter essa simbiose, na qual todos querem participar e contribuir com algo para ganhar algo em um conjunto de contribuições que geram valor para todos. O desafio é oferecer o retorno proporcional e correspondente desse valor a todos os stakeholders envolvidos direta ou indiretamente no negócio da empresa. Para tanto, o Administrador - em qualquer área da empresa e em todos os níveis (estratégico, tático ou operacional) - precisa agora pensar grande e de maneira sistêmica e abrangente. Na realidade, é para todos esses stakeholders em conjunto que o Administrador trabalha.

Todos eles estão na ponta final dos resultados que ele entrega à empresa. E o negócio da empresa depende totalmente deles. Aliás, o Administrador é também um stakeholder. Talvez um dos mais importantes. O que V. pensa a respeito?

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