Desafios e incertezas

Marcel Domingos Solimeo

Economista e consultor. É diretor do Instituto de Economia da Associação Comercial de São Paulo, onde também atua como superintendente institucional. Autor dos livros "O Plano Real Para ou Continua" e "O Plano Real Acabou?".

Escreve a coluna Economia

Desafios e incertezas

Publicado em 19/10/2022

O mundo encontra- se conturbado por uma sucessão de crises, desencadeadas pela pandemia da Covid-19, que desestruturou a economia mundial, interrompendo correntes de transporte internacional, provocando falta de insumos e produtos e aumentando os custos de produção e comercialização. Os governos tiveram que injetar volumosos recursos nas economias, expandindo a liquidez e sancionando os aumentos de custos provocados pelas restrições às atividades econômicas.

Antes da normalização de todos os fluxos de produção e de comércio, irrompeu a guerra, com a invasão da Ucrânia pela Rússia, paralisando as exportações dos dois países, grandes produtores de alimentos, fertilizantes e, no caso russo, petróleo e gás. Em consequência, os preços em geral e os da energia de forma exponencial dispararam em quase todos os países, gerando preocupações para as autoridades monetárias.

Embora a economia americana tenha se recuperado e reduzido fortemente o desemprego, os países da Zona do Euro enfrentam maiores dificuldades com a escassez de energia, o que afeta a produção e aumenta os preços, tanto para a indústria como para o consumidor, obrigando os governos a subsidiarem a população.

Com as taxas de inflação atingindo os níveis mais altos dos últimos 40 anos, o FED e os BCs da maioria dos países europeus vêm aumentando as taxas de juros em ritmo não usual e em percentuais elevados para os padrões recentes dos Estados Unidos e da Europa e parecem estar dispostos a continuar nessa trajetória pelo tempo que for necessário. Com a China enfrentando ainda problemas com a Covid e uma crise imobiliária, seu crescimento também vai se reduzir

O mercado financeiro vem se preparando para enfrentar a forte inadimplência que se vislumbra, fazendo reservas elevadas, mas não se espera, pelo menos nos países desenvolvidos, uma crise bancária como a de 2008 porque, graças à elevada liquidez internacional, os bancos estão capitalizados. Existe, contudo, temor de que muitos países não desenvolvidos possam entrar em “defaults”.

O cenário desses países para 2023 apresenta grande grau de incerteza, mas a dúvida maior não parece ser a de saber se haverá recessão, mas apenas qual será a sua profundidade. Além da crise econômica, ocorre uma reorganização geopolítica com a globalização sendo substituída por acordos ou blocos regionais. A disputa pela liderança no desenvolvimento da tecnologia entre a China e os Estados Unidos reforça a disputa por áreas de influência entre os dois países, com reflexos nas correntes de comércio.

Com o menor crescimento econômico, o comércio internacional deve se reduzir, caindo para a casa de 1,0% no ano que vem, o que provocará queda do preço das commodities, exceção talvez do petróleo por atuação do cartel, o que vai afetar negativamente os países não desenvolvidos.

Se o Brasil vive um período de indefinição política, esse cenário internacional de incertezas torna mais difícil qualquer projeção sobre o futuro próximo da economia brasileira, mas parece certo que 2023 será um ano de ajustes nas contas públicas, o que terá reflexo negativo sobre o crescimento, mas, provavelmente, o país não entrará em recessão. A desaceleração da inflação poderá permitir que o BC comece a reduzir gradualmente os juros, se houver clara sinalização de controle do orçamento, independente do que se decida em relação ao teto de gastos.

A recessão mundial, se se confirmar, terá impactos negativos para o Brasil pela diminuição de suas exportações, aumento do preço de suas importações e maior custo dos financiamentos externos. Por outro lado, todas as alterações do cenário político e do comércio mundial podem oferecer algumas novas oportunidades para o Brasil, desde que o novo presidente, seja ele quem for, ofereça perspectivas de estabilidade e respeito às regras e aos contratos.

O Brasil tem condições para negociar com os diferentes blocos e pode conquistar ou ampliar mercados para seus principais produtos. Além disso, a ruptura nas cadeias de produção e a nova configuração geopolítica após a guerra da Ucrânia podem deslocar, para países mais próximos do mercado americano, novas fábricas hoje espalhadas por países mais distantes, que buscam mão de obra barata, mas que agora têm dúvidas sobre a regularidade do fornecimento e, por isso, buscam mercados mais próximos e em países “amigos”. Algumas fábricas instaladas na Europa poderão procurar novas localizações devido ao elevado preço da energia, o que é uma vantagem para o Brasil, não só em termos de custo, mas, também, de meio ambiente, uma vez que a matriz energética brasileira é menos poluidora do que a da maioria dos países.

Acredito que a maior dificuldade que o Brasil pós-eleição vai enfrentar não é de natureza econômica, embora também tenha problemas nessa área, mas de governabilidade. Se não houver um movimento amplo de todas as lideranças políticas, empresariais, intelectuais, religiosas e de comunicação para estabelecer consenso em torno de um Projeto de Nação, será impossível ao próximo governo conduzir o país para o desenvolvimento com inclusão. Precisamos considerar que todos devemos fazer uma parte para acabar a radicalização e unir a sociedade para benefício de todos.

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