A dificuldade na negociação de Ronaldo Fenômeno com o conselho do Cruzeiro: reflexo da omissão no texto da Lei 14.193/21

Carlos Aragaki

Sócio da BDO RCS Auditores Independentes – líder da área de Esporte Total. Responsável técnico da plataforma Fair Play Financeiro, da CBF. Professor da CBF Academy e do curso de Gestão e Marketing Esportivo, da Trevisan Escola de Negócios.

Escreve a coluna Gestão do esporte

A dificuldade na negociação de Ronaldo Fenômeno com o conselho do Cruzeiro: reflexo da omissão no texto da Lei 14.193/21 – Sociedade Anônima do Futebol

Publicado em 25/03/2022

O interesse pelos campeonatos regionais nesse início de ano tem dividido os debates dos torcedores, associados de clubes, conselheiros e mídia do futebol com relação às discussões sobre os clubes que estão fortemente em criação da SAF: Cruzeiro, com Ronaldo Fenômeno; Botafogo FR, com o empresário americano John Textor (dono do Cristal Palace, que atua na Premier League); e Vasco, com o fundo americano 777 Partners (dono do Genoa, clube na primeira divisão italiana). A negociação de Ronaldo encontrou uma trava decorrente de omissão gravíssima da lei 14.193/21 – Sociedade Anônima do Futebol - SAF.

Os centros de treinamento (CTs) Toca I e II foram dados como garantia de dívidas tributárias do clube Celeste. O staff de Ronaldo negocia com o conselho do clube a desvinculação dos CTs, que migrariam para a SAF, tendo como contrapartida a assunção da dívida tributária, na qual os imóveis encontram-se em garantia da dívida nos termos do acordado com a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). A renegociação, se aceita, excluiria o risco de execução em caso de inadimplência.

O pleito parece totalmente lógico quando se cria um plano de negócios, pois os CTs são fundamentais para o desenvolvimento dos atletas das categorias de base, que certamente podem trazer fluxos de caixa futuros para o investidor, em caso de venda de atletas.

A grande omissão da Lei que criou a SAF é o artigo 18 e seu parágrafo único, que estabelece que as dívidas de natureza cível e trabalhista são objetos do regime centralizado de execuções (RCE), que consiste em concentrar, no juízo centralizador, as execuções, as dívidas e a distribuição dos valores recebidos da SAF pelo Clube para o pagamento dos credores em concurso e de forma ordenada. Verifica-se que o legislador não considerou tratamento algum para as dívidas tributárias dos clubes e estas ficaram fora dos artigos da Lei. Dessa forma, considerando que os clubes transferirão todas as receitas do futebol profissional para a SAF, restarão as receitas do clube social que, em tese, cobrem ou não as despesas do próprio clube social. Logo, é possível que essa conta não feche ao final do dia e, então, no futuro, o sucessor da dívida tributária será a própria SAF. Em tese, essa omissão da Lei justifica a busca na negociação antecipada da SAF pelo Fenômeno.

Imaginemos um exemplo genérico, caso um clube como o SC Corinthians Paulista se transformasse em SAF. Por meio das suas demonstrações financeiras de 2021, publicadas no site do clube, faremos uma análise simulada da situação do Clube (associação) sem os ativos, passivos, receitas e despesas do futebol profissional transferidos para a SAF:

Receitas do clube social R$ 30.467 mil

(-) Despesas do clube social (R$ 45.065) mil

Resultado do clube social (R$ 14.598) mil

Embora o cálculo acima não seja preciso, nota-se que o clube não gera lucro sequer para pagar as despesas do clube social. Dessa forma, como pagaria o passivo tributário no montante de R$ 326.825 mil registrados no balanço?

As soluções possíveis para esses conflitos gerados pela omissão legal seriam: a alteração da Lei para tratamento para as dívidas tributárias do clube ou, por meio de memorando de entendimento, que os investidores e os clubes formalizem negociação para o tratamento adequado de equalização de seus passivos tributários.

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