“A missão de um verdadeiro líder é desenvolver pessoas” - CRA-SP
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“A missão de um verdadeiro líder é desenvolver pessoas”

Multicampeão de voleibol, Bernardinho compartilha suas experiências à frente de grandes seleções e aconselha os líderes corporativos sobre como construir equipes de alto nível

Comandar equipes de alta performance e formar times campeões são algumas (das muitas) habilidades que marcam a trajetória do ex-jogador e técnico das seleções brasileiras de vôlei, Bernardo Rocha Rezende, mais conhecido como Bernardinho.

Considerado um dos maiores campeões da história do voleibol, ele é dono de um respeitável currículo, que acumula mais de 50 conquistas, entre elas sete medalhas olímpicas, uma delas ainda como jogador. Não por acaso, seus resultados o tornaram exemplo de liderança e a sua experiência, adquirida no comando de grandes seleções, passou a ser compartilhada também fora das quatro linhas, no mundo corporativo. Nos últimos anos, Bernardinho tem auxiliado executivos e empreendedores na construção de equipes consistentes, além de prepará-los para lidar com as pressões diárias das organizações.

Em entrevista exclusiva para a ADM PRO, Bernardinho conta os desafios de uma boa liderança, explica o que deve ser feito para se manter no topo e, ainda, dá conselhos para quem quer atuar no alto escalão organizacional. Confira! 

Bernardo Rocha Rezende

Revista ADM PRO -  Sua carreira é marcada por grandes conquistas no vôlei do Brasil. O que o motivou a compartilhar a experiência de liderança vivenciada nas quadras em palestras voltadas para o universo corporativo? 

Bernardinho - Minha carreira foi marcada por conquistas, mas também por derrotas. Tivemos grandes alegrias, algumas frustrações, mas muito aprendizado, muita paixão pelo processo. Eu acredito que o interesse em compartilhar com as empresas e o fato de muitas pessoas quererem me ouvir em relação à liderança de grupos e formação de times têm a ver com essa similaridade que existe entre os mundos corporativo e esportivo. Dirigir uma equipe no mundo esportivo de altíssimo desempenho e competitividade é como estar numa empresa, onde você tem metas, planejamento, treinamento, capacitação, contratação, demissão, ou seja, tudo aquilo que acontece no mercado corporativo requer muita atenção e foco, assim como no mundo esportivo. Acho que o esporte nos dá essa transposição clara e direta e há uma correlação muito forte que pode ser utilizada como forma de gerar reflexões no ambiente corporativo. 

ADM PRO – Qual é a importância da liderança na construção de uma equipe de alta performance?

Bernardinho - O líder tem uma importância fundamental em qualquer tipo de equipe. Acho que o pilar sobre o qual se constrói uma liderança é a ética. Ou seja, um líder precisa ter um comportamento ético, justo e correto. Ele pode ser duro, mas tem que ser justo com as pessoas. O mais importante é manter uma relação de confiança com o seu time, seja ele qual for. Sempre falo que a única liderança que se sustenta com o passar do tempo é aquela mantida pelo exemplo. Se o líder não der o exemplo, ele não vai se sustentar como tal. E por mais que você seja incrível, ninguém consegue nada sozinho. Os resultados duradouros, realmente significativos, dependem de um time, formado por indivíduos que mantêm objetivos em comum e, o mais importante, que têm a consciência de que só vão atingi-los com a participação de todos.

ADM PRO – Uma estratégia marcante na sua liderança é: “aos campeões, o desconforto”. Você acredita que essa tática também pode ser aplicada nas organizações no momento em que elas atingem o auge? Se sim, de que forma? 

Bernardinho - Sim, sem dúvida. A questão é: é mais difícil chegar ou se manter no topo? Se manter, é claro. Como é que você perpetua uma equipe campeã sendo campeã? Fazendo com que ela não perca seu espírito de aspirante. Se falarmos para um jovem, que está procurando emprego, para ele vir trabalhar numa grande empresa onde todos querem trabalhar, mas que para isso ele precisará chegar às seis da manhã, no dia seguinte, às cinco, ele estará na porta esperando. E para um campeão olímpico e mundial? Ou para um cara que bateu a meta, que está dominando seu mercado e está crescendo? Se você diz que começa às 6h ele fala que não vai, que gosta às 10h. O que eu quis dizer com “aos campeões, o desconforto”? Simplesmente que é necessário testar o nível de comprometimento deles. Esse é meu mantra. Porque a única forma de você se manter campeão é lembrar do seu início de carreira, do que estava disposto a fazer. O tal espírito de aspirante. Se você não estiver mais disposto a fazer aquilo com a mesma intensidade, se não se dedicar daquela maneira, você não será mais o campeão, o líder da história. Os campeões se apresentam e fazem o seu melhor.  Outro aspecto muito importante e ligado ao mundo corporativo é: mantenha sempre o modo crise ligado. Isso evita que você seja surpreendido com um “soco no queixo" e te mantém atento para fazer o que precisa ser feito. O sucesso e as vitórias podem levá-lo para um caminho muito perigoso, que é baixar a guarda e, quando isso acontece, você perde o espírito de aspirante.

ADM PRO – Em alguns momentos, você teve que alinhar o time de jogadores campeões com a nova geração que estava chegando à seleção, assim como nas organizações, onde esse conflito também é presente. Na sua opinião, o que o líder deve fazer para engajar uma equipe multietária?

Bernardinho - Sem dúvida, manter o learning - mode on (modo de aprendizagem ligado). Não existe uma fórmula mágica para liderança, existe um aperfeiçoamento permanente na busca por tirar o melhor das pessoas. É preciso querer aprender conhecendo seu time, dentro de suas diversidades. Depois de dois vice-campeonatos olímpicos, fui confrontado pelo meu filho, que era o capitão da seleção. Ele abriu meus olhos para tentar desenvolver uma forma de trabalhar diferente daquela que havia dado muito certo com a geração anterior. Ele disse: “se você não mudar a forma de lidar com essa geração, vamos continuar no quase. Precisamos voltar a subir mais um degrau”. Então eu fui estudar, trabalhar, para tentar mudar a forma de lidar com aqueles jovens. A geração anterior literalmente queria sangue, esportivamente falando. A nova era diferente. Não era melhor, não era pior, mas era diferente. Eles [atletas] pensavam de maneiras diferentes e precisávamos de formas diversas de estimular, motivar, dar feedback. A diferença entre o sucesso e o fracasso, ainda mais no Brasil, costuma ser tênue. Por isso, é fundamental não perder o foco e seguir aprendendo. Afinal, o sucesso do passado não te garante nada no futuro, a não ser expectativas e responsabilidades.

ADM PRO - Você assumiu as seleções feminina e masculina do Brasil, além de um time feminino na Itália, quando estavam na pior fase e os levou ao lugar mais alto do pódio. Que caminhos você trilhou ao gerenciar as crises nos times, que servem de exemplo para os líderes corporativos que vivenciam situações adversas em sua gestão?

Bernardinho - É aquela história, será que a melhor seleção que você pode montar é formada pelos melhores ou pelos certos? Será que se o melhor quiser ser reconhecido permanentemente como tal, mas não compartilhar isso com os outros, o seu time vai ter a melhor performance? O time é complementaridade, é todo mundo. Quando entramos na seleção masculina, em 2002, era ano de campeonato mundial e tinha uma premiação. O título renderia a cada jogador R$ 20 mil. Mas os títulos individuais, como o melhor atacante, melhor saque, melhor levantador, por exemplo, levariam um prêmio de US$ 100 mil. Ninguém ganhava isso na temporada. Decidi que era hora de entrar. Cheguei para o grupo, ainda na fase de treinamentos, e disse que tinha uma proposta a fazer. Se algum deles ganhasse, dividiria a premiação individual: 50% permaneceriam com o jogador, por meritocracia, desempenho, dedicação e talento, e os outros 50% iriam para o restante do time. Todos aceitaram e fomos campeões, pela primeira vez na história. Até hoje isso permanece como parte da nossa cultura. Todo prêmio individual tem uma participação coletiva e essa é uma forma prática de reconhecer a importância de todo mundo. Time é isso, é colaboração o tempo inteiro. Na empresa, quantas vezes você contrata alguém e, daqui a um mês, não aguenta mais e quer mandar embora? Se aquela pessoa é tecnicamente espetacular, por que você quer mandá-la embora? Por que ela não é um jogador de time, não respeita e não se comunica bem. Um líder bate metas e entrega, porque tem equipe. Ele precisa fazer as coisas da maneira correta. E a coisa certa muitas vezes não é a mais popular. O líder não pode buscar a conveniência e sim fazer aquilo que é certo. 

ADM PRO -  Na sua opinião, liderar é um dom ou é algo treinável?

Bernardinho - A primeira coisa que as pessoas pensam quando você ganha um cargo ou uma posição de liderança é que você se torna um líder, mas na verdade isso é um processo. Você pode ter a capacidade técnica, mas precisa querer pagar o preço que é necessário pagar, porque há um ônus na liderança que é muito claro: assumir a responsabilidade e fazer aquilo que é certo, o que nem sempre é popular; e muitas vezes ser incompreendido, criticado, o que também é da atribuição de um líder. Você pode treinar e há formas e líderes de estruturas totalmente diferentes, uns mais introvertidos e outros mais comunicativos, embora a comunicação seja sempre algo importante. Entretanto, uma pessoa introvertida ouve muito bem, então ela também pode se tornar um líder, não há nenhum impedimento sobre isso, muito pelo contrário. Então acredito que é possível desenvolver sim, se preparando, se ocupando e se preocupando realmente com as pessoas. 


ADM PRO - Quais conselhos você pode dar para aqueles que desejam atuar em um cargo de liderança?

Bernardinho - O primeiro deles é entender que sempre “se está líder”, e não “se é líder”. A liderança não é um cargo, mas um processo. A partir do momento que você inspira e provoca as pessoas, você conquista elas e, também, essa posição. Cada vez mais acredito que a missão de um verdadeiro líder é desenvolver a pessoas, física, técnica e emocionalmente, pois ele é o oxigênio que faz crescer a chama interna do seu time. E isso está muito ligado ao controle do ego. Essa é a maior armadilha para as pessoas que conquistam uma posição de liderança. Quando você começar a se achar importante demais, deve repensar e lembrar que isso não existe. Em atividades com muita visibilidade, como o esporte, você tem os holofotes e isso é perigoso e sedutor. Enquanto técnico das seleções brasileiras, sempre brinquei dizendo que a imprensa tentava nos fazer acreditar que, quando ganhávamos, éramos melhores do que realmente éramos e, quando perdíamos, éramos piores. Manter a humildade é fundamental. Um líder precisa ouvir, ter empatia, manter o foco, aprender com os próprios erros, assumi-los e evoluir a partir deles. Só se passa por todo esse processo mantendo-se humilde. Esse comportamento faz parte da manutenção de princípios e valores, outro conceito fundamental para os líderes. Não se negocia aquilo que é realmente importante. Segundo uma pesquisa de Harvard entre C-levels, 67% deles associam grandes líderes à ética e moral elevadas. É muito importante ter um objetivo claro e saber que a instituição, ou o time, vem primeiro que o indivíduo. É o que une e agrega todos. A partir disso, é preciso instigar o inconformismo, a busca por melhorias, por evolução e mostrar que o trabalho, a energia despendida e a dedicação devolvem. Aí entram a disciplina e a resiliência. É conseguir fazer aquilo que é preciso, mesmo sem estar disposto, é saber dizer não às coisas certas e sim a um propósito maior. É saber lidar com “nãos”. E, por último, mas não menos importante, é preciso estar lá. Independente do resultado, o time precisa saber que seu líder estará lá por eles.

ADM PRO - Outra função que você desempenha é a de compartilhar experiências com jovens alunos da PUC Rio, na disciplina Liderança Empreendedora. Na sua opinião, qual a importância de tratar essa temática tão relevante no mercado de trabalho, enquanto eles ainda estão na faculdade? 

Bernardinho - Quando recebi o convite para voltar à PUC (onde me formei), achei que essa era uma oportunidade muito legal de falar sobre a questão de liderança. Isso porque a garotada é muito focada em tecnologia e em outras questões, mas que se esquece daquilo que são as relações interpessoais, a comunicação, que faz parte da liderança. São jovens que têm o interesse em empreender e montar equipes e empresas e muitas vezes têm alguma qualidade técnica de conteúdos acadêmicos, mas falta pouco da prática do dia a dia de lidar com equipes e de ser pressionado com resultados. Eu acho que é muito mais um compartilhamento de experiências, de vivências e histórias que possam, de alguma forma, fazer com que os jovens que lá estão comigo também se preparem para o mundo corporativo, que não saiam apenas com o conteúdo acadêmico e possam se preparar um pouco mais para o mundo real. 

ADM PRO -  Na seleção brasileira, você era o líder do seu próprio filho, assim como acontece nas organizações familiares, que mantêm relações hierárquicas e empresariais dentro do núcleo familiar. Qual o segredo para que isso dê certo sem que uma coisa interfira na outra de forma negativa?

Bernardinho - Eu tenho certeza de que o fato de eu ter liderado e comandado meu filho há muito tempo gera esse questionamento em empresas que têm na sua estrutura muitos componentes com ligações familiares. Os líderes, muitas vezes na tentativa de mostrar justiça, cobram um ônus muito maior do que dão de bônus. No início do nosso processo de liderar a seleção, fui muito duro com ele, mais até do que deveria ter sido, na minha opinião. Muitas pessoas achavam a mesma coisa, que eu exagerei um pouco no sentido da cobrança em relação a ele, mas era a tentativa de querer parecer justo. Querer, de alguma forma, demonstrar que eu não estava dando nenhum privilégio para ele, muito pelo contrário. Com o tempo, o equilíbrio foi acontecendo, ele foi conquistando espaço independente de ser meu filho ou não. No início, a nossa relação pessoal ficou até um pouco impactada e eu senti isso, porque ele realmente estava sofrendo muito com a relação pai e filho. Mas com o tempo e equilíbrio, isso foi sendo retomado e se fortaleceu porque nós tínhamos uma ligação ainda mais forte através do trabalho, da paixão que nutrimos pelo esporte, pelo vôlei e da forma como nós mesmo agimos e nos dedicamos a nossa paixão, a nossa atividade.  




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