Os aspectos positivos da recuperação judicial nos clubes de futebol e reflexos não observados na auditoria dos balanços

Carlos Aragaki

Sócio da BDO RCS Auditores Independentes – líder da área de Esporte Total. Responsável técnico da plataforma Fair Play Financeiro, da CBF. Professor da CBF Academy e do curso de Gestão e Marketing Esportivo, da Trevisan Escola de Negócios.

Escreve a coluna Gestão do esporte

Os aspectos positivos da recuperação judicial nos clubes de futebol e reflexos não observados na auditoria dos balanços

Publicado em 02/06/2022

A recuperação judicial, instrumento jurídico muito utilizado por empresas com finalidades lucrativas, começa a ter movimentação em entidades sem finalidade de lucros, especificamente nos clubes de futebol. As empresas têm buscado a recuperação com o objetivo de evitar a falência por meio de reestruturação dos seus negócios e negociação com credores. Já os clubes têm buscado a recuperação como forma de se organizar internamente para seguirem com o próximo passo, que é a busca por investidores.

O que motiva o pedido de recuperação judicial para entidades sem fins lucrativos que, em sua essência, não podem falir? A lei nº 11.101/05, que regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, não é objetiva quanto a proibição do pedido de RJ por entidades sem fins lucrativos.

O advento da lei da SAF facilitou esse processo para os clubes, embora já existisse precedente para isso, pois ainda que o artigo 48 da Lei 11.101/05 - Lei de Recuperação Judicial e Extrajudicial e de Falência (alterada pela lei 14.112/20) ¹ informe que o devedor deva exercer atividade empresarial e registro na junta comercial, os produtores rurais - pessoas físicas - haviam conseguido esse instituto por meio de decisão favorável da 4ª turma do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) em 5 de novembro de 2019.

E por qual motivo equipará-las às sociedades empresárias? Essa pergunta surge para os clubes associativos que buscam a recuperação judicial. Nesse caso, um clube de futebol poderia ser comparado a sociedade empresária por algumas características similares: a atividade econômico-financeira dos clubes de futebol é uma realidade com os clubes da “série A”, faturando mais do que R$ 7 bilhões em 2021¹; os clubes pagam os impostos (5% de INSS sobre todas as receitas) e apresentam custos com o futebol da ordem de R$ 5 bilhões/ano; são tomadores de empréstimos e financiamentos; são obrigados a ter auditoria independente por força do artigo 46 A da Lei Pelé; entre outras atividades que os caracterizariam como empresa, à exceção de que não podem distribuir superávits, mas aplicá-los no objeto social da associação.

A vantagem da obtenção da RJ é a de que os clubes passam a ter melhores possibilidades de estruturar as suas dívidas com ex-atletas, técnicos, intermediários, ex-funcionários, bancos, clubes de futebol, entre outros, pois, ao conseguirem a RJ, buscarão condições mais flexíveis de renegociação com esses credores e poderão traçar um plano para reorganizar suas finanças, melhorando a capacidade de investimentos no futebol.

Outro fator positivo desse instrumento seria a expectativa de tornarem-se mais atrativos na captura de investidores que irão considerar a segurança jurídica trazida por esse instrumento.

Mais uma vantagem da RJ é a de que, uma vez iniciado o processo de recuperação, são suspensas todas as ações e execuções ajuizadas, pois o juiz suspenderá as cobranças de credores para a negociação de um acordo, fazendo com que ocorra o desafogo com as penhoras e bloqueios judiciais e também permitindo a renegociação do fluxo de pagamento das dívidas com seus credores.

O plano de recuperação deve ser aprovado pelos credores e homologado judicialmente. É nesse momento que surge algo ainda não esperado ou avaliado pelos clubes de futebol. Nesse período de não-homologação, os auditores independentes não conseguem obter evidências de auditoria para fundamentar sua opinião sobre as demonstrações financeiras, devido ao cenário de múltiplas incertezas que podem levar ao risco de continuidade da entidade, que acaba por afetar a avaliação de que a base para elaboração das suas demonstrações contábeis (balanço financeiro) é apropriada.

Não obstante à limitação inicial no relatório de auditoria, que é alterada à medida que a RJ é homologada, os argumentos são bastante favoráveis aos clubes para que busquem esse diploma como parte integrante do seu plano de reorganização.

1 https://www.migalhas.com.br/depeso/355207/a-nova-lei-de-recuperacao-judicial-e-falencias;

2 Análise de balanços BDO (material interno).

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