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A vez do fim do home office?

Com a vida de volta ao “normal”, muitas organizações têm escolhido retornar aos escritórios. A decisão, porém, não agrada grande parte dos colaboradores, que prefere continuar no formato remoto. Diante do impasse, o que se pode esperar dos modelos de trabalho nos próximos anos?

Há exatos três anos, a Revista ADM PRO abordava em sua matéria de capa o protagonismo do home office, modelo de trabalho a distância adotado por muitas organizações, inclusive as mais tradicionais, como uma saída para manter os seus negócios ativos, enquanto a pandemia do novo coronavírus assolava o Brasil e o mundo. 

Na época, a reportagem trouxe a opinião de especialistas tanto da área pública, como do setor privado, em relação às vantagens, problemas, questões trabalhistas e, ainda, tocou em um ponto que, até aquele momento, era incerto de se prever: se, passado o período de crise, o home office iria se consolidar como uma prática efetiva dentro das organizações.

A crise passou, felizmente! Três anos depois, aqui estamos sem restrições sanitárias, sem distanciamento social e dá até para arriscar a dizer que a vida voltou ao “normal”. No entanto, o que ninguém esperava era que o pós-pandemia trouxesse um impasse entre empresas e empregados: por um lado, as organizações que desejam seus colaboradores de volta ao escritório; do outro, um número grande de profissionais que se recusa a abandonar o trabalho remoto.

De acordo com uma pesquisa realizada pela PwC Brasil e pelo PageGroup, com 289 executivos e 633 colaboradores no início deste ano, 68% dos profissionais disseram ter sido mais ou muito mais produtivos no regime remoto, enquanto apenas 41% dos líderes afirmaram o mesmo. O estudo também revelou que a preferência pelo home office tem ligação direta com a idade do profissional: em primeiro lugar está a geração Z, com 64% das indicações; em segundo a Y, com 28%; em terceiro a X, com 22%; e em último estão os baby boomers, com apenas 20% de preferência pelo trabalho a distância. 

Foto de Stéfano Pacini

Stéfano Pacini

A volta ao presencial

O desejo de ver os escritórios repletos de funcionários, assim como eram antes da pandemia, é compartilhado por muitos líderes empresariais. Prova disso é o levantamento do FGV-Ibre, realizado em outubro de 2022 com aproximadamente 4.000 empresas, que mostra queda no número de organizações que adotam o regime de trabalho em home office. 

Em 2021, 57,5% das companhias afirmaram ter adotado o modelo remoto no Brasil, de forma parcial ou total, incluindo os que já aderiam a essa modalidade antes da pandemia. Já em outubro de 2022, esse percentual diminuiu para 32,7%. Segundo o pesquisador e economista do FGV-IBRE, Stéfano Pacini, as incertezas da pandemia ainda eram fortes em 2021. Em 2022, porém, com a diminuição das taxas de transmissão do vírus, o avanço da vacinação e a volta da mobilidade, era de se esperar que algumas empresas optassem pelo retorno ao escritório. 

“No setor da construção, por exemplo, em 2021, 52,1% das empresas adotaram o home office. Já em 2022, o percentual caiu para 10,1%. É um segmento que precisa do trabalho físico e presencial. Ainda assim, pode-se dizer que houve uma mudança nos modelos praticados, porque há um percentual alto de organizações que mantêm, pelo menos, um dia de trabalho remoto na semana”, diz Pacini.

Foto de Laura Castelhano

          Laura Castelhano

Os executivos argumentam que no modelo presencial é mais fácil transmitir os valores da cultura organizacional e que, dessa forma, não há perdas nas conexões humanas, bem como na comunicação e na gestão dos resultados. “As vantagens de retornar ao presencial vão além da tarefa, têm a ver com a questão da socialização e do aprendizado por influência e isso, muitas vezes, só é possível quando se está no mesmo espaço”, comenta Laura Castelhano, professora e pesquisadora de carreiras e pessoas na PUC-SP. 

Outro fator que tem levado as empresas a optarem pelo presencial é a lei trabalhista. O Brasil reconhece, até o momento, dois modelos: o teletrabalho, que já existia antes da pandemia, e o presencial. “O híbrido não é um modelo de trabalho, é uma saída temporária em construção. O grande desafio é pensar em um terceiro tipo, porque não dá para considerar o que tivemos na pandemia como um modelo de home office tradicional. Na CLT, havia uma estrutura que garantia questões de amparo aos trabalhadores que estavam em casa durante aquele período. No pós-pandemia, porém, não há mais esse amparo legal, porque saímos da esfera pandêmica. As empresas estão tentando buscar saídas, mas muitos RHs esquecem do ponto de vista da legislação”, acrescenta Laura.

Para Sylvia Hartmann, pesquisadora, consultora em definição de modelos de trabalho e LinkedIn Top Voice, a principal vantagem do presencial para os executivos é a sensação de trazer de volta um sistema que supostamente é mais eficaz por ser mais conhecido. Entretanto, ela afirma que a decisão de retornar às empresas negligencia mudanças importantes que ocorreram nos últimos anos. “Seria mais efetivo que as organizações avaliassem, antes de voltarem aos escritórios, um modelo de trabalho adequado a partir de um mapeamento muito cuidadoso e detalhado”, recomenda.

Foto de Ricard Uchoa

 Richard Uchoa

Exemplo de mudança

Foi a partir dessa análise mais ampla que o home office passou a ser definitivo na Revvo, empresa de aprendizagem digital, que antes da pandemia contava com 40 funcionários de forma 100% presencial, justamente por não acreditar que as pessoas rendiam trabalhando a distância. “Veio a pandemia e entendemos muito rápido como gerir as pessoas em casa. Passamos a ter métricas, acompanhamentos e mudamos a forma de produção dos times. Nosso modelo de gestão também teve que mudar para que isso acontecesse. Sentimos o aumento na produtividade, vimos que as pessoas estavam mais felizes no trabalho remoto e, hoje, a empresa conta com 220 colaboradores. Ampliamos nossa base de talentos para fora do Rio de Janeiro e temos profissionais de diversos lugares do Brasil e até fora do país”, conta Richard Uchoa, CEO da Revvo.

Hoje em dia, Uchoa acredita que a ida ao escritório precisa ter outro significado e que ela deve acontecer apenas para ações que no presencial funcionam melhor. “Com a equipe espalhada, não conseguimos mais voltar ao 100% presencial. Fizemos pesquisas internas e o maior benefício que os colaboradores veem atualmente é o de poder trabalhar de casa. Temos muitos DEVS (desenvolvedores de softwares) na Revvo e hoje, se corto o home office, perco 90% desses profissionais, se não for 100%”, explica o CEO.

Foto de Sylvia Hartmann

       Sylvia Hartmann

Desafios da flexibilização

A pesquisa da PwC e do PageGroup aponta que 46% dos executivos e 40% dos colaboradores definem o modelo híbrido, com um ou dois dias por semana no escritório, como a melhor opção para a empresa maximizar a produtividade da equipe. Em segundo lugar na lista de preferências dos colaboradores está o home office integral, com 27% das indicações; enquanto os executivos preferem o regime híbrido com três ou mais dias por semana no escritório, com 25% das respostas.

Embora o modelo híbrido lidere a preferência das organizações e colaboradores, a sua implementação requer mudanças na condução do trabalho, no estilo da liderança, nas práticas de recursos humanos, nas competências comportamentais, nos processos e na interação entre as pessoas. “Tais transformações dependem da desconstrução da mentalidade de trabalho presencial que vivemos por muitas décadas, influenciada pela gestão de controle, pelo imediatismo nas respostas e pela hiper valorização de horas trabalhadas em detrimento do valor gerado”, orienta Sylvia.

Já a pesquisadora da PUC ressalta que nas profissões em que a implementação do home office é viável, vale, antes de tudo, pensar sobre como esse sistema pode refletir na cultura e nos valores da organização. “Infelizmente, o mercado tem uma tendência de sempre copiar as práticas das empresas. Mas aquilo que funciona na companhia A não necessariamente vai funcionar na companhia B. Há uma série de etapas que as empresas precisam avaliar, como o negócio, o serviço e os colaboradores. Muitas organizações falham ao pensar em modelos por não observar a questão dos valores da sua cultura”, afirma Laura.

Um dos maiores desafios que o CEO da Revvo encontrou na implementação do novo modelo foi justamente o de manter a cultura forte, principalmente no onboarding (integração) de novos colaboradores. “Criamos várias rotinas de conversas, de liderança, de cultura, entre outros benefícios, para a adaptação do home office. Além disso, a saúde mental foi um tema que trabalhamos bastante. Entretanto, o fato de estar em casa facilita um pouco em relação ao estresse, porque a pessoa está com a família”, conta Uchoa.

Futuro dos modelos de trabalho

Diante dos impasses que o pós-pandemia gerou entre empresas e colaboradores, eis a questão: o que se pode esperar dos modelos de trabalho nos próximos anos? Sylvia acredita que há um longo caminho até essa definição. No entanto, ela considera um equívoco que qualquer uma das modalidades, remota ou presencial (integral ou híbrida), seja compulsória. “Solicitar o retorno integral ao escritório ou definir a quantidade de dias em casa não solucionará o problema. Meu convite é que as empresas realmente invistam recursos na avaliação de todas as variáveis que interferem na decisão do modelo, pois o custo de se tomar medidas precipitadas sem a devida avaliação pode ser ainda maior no médio prazo”, sugere a consultora. 

Os RHs, segundo Laura, também precisam definir os modelos que vão ser implementados e quais funções, cargos, departamentos e projetos serão aderentes a eles, especificando as políticas, as práticas condizentes, o compliance, os aspectos legais, a cultura e os valores. “Isso precisa ser muito bem pensado para não cometer injustiças no ambiente de trabalho. As pessoas em home office, às vezes, não se sentem parte da empresa ou inseridas na cultura. Tudo isso precisa ser muito bem estruturado”, orienta a professora.

Apesar de muitas empresas serem contrárias às previsões de que home office viria para ficar, como é caso da Tesla, na qual o próprio CEO, Elon Musk, mandou um e-mail para os seus funcionários no ano passado informando que “o trabalho remoto não é mais aceitável”, na visão do pesquisador da FGV-IBRE, o home office se tornou uma realidade, afinal, as organizações já adotam esse modelo de trabalho, em maior ou menor magnitude. “Os benefícios de qualidade de vida e produtividade são observados tanto pelos trabalhadores quanto pelas empresas, mesmo que em dimensões diferentes. O aumento do rendimento no home office parece estar relacionado ao nível de escolaridade, de renda e do tipo de ocupação. Existem trabalhos em que é necessária a presença física, já em outros, o modelo remoto funciona perfeitamente bem. O desafio das empresas é conseguir investir em ferramentas que vão permitir a manutenção do desempenho e produtividade dos seus trabalhadores a longo prazo”, esclarece Pacini.

Já Uchoa acha que essa briga será ainda mais acirrada nos próximos anos. Para ele, os líderes vão demandar cada vez mais para o trabalho presencial e os funcionários, que tiverem empregabilidade, serão mais exigentes na busca pela liberdade e flexibilidade. “Os bons líderes vão fazer a diferença. Aqueles que souberem gerir as pessoas em casa vão se destacar. As empresas que não se adaptarem terão que pescar em um lago menor de talentos que aceitem trabalhar no modelo presencial”, conclui o CEO da Revvo.




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