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Na mira dos robôs

Ter o currículo escolhido em um processo seletivo on-line tornou-se um desafio para muitos profissionais. Saiba como se adequar à tecnologia para não perder oportunidades

Passar horas em frente ao computador à procura de vagas que mais se alinham às competências e experiências, enviar currículos e mais currículos para as empresas, torcer por um retorno e ser chamado para a entrevista são etapas diárias na rotina de muitos candidatos que estão open to work (disponível ao mercado) e buscam uma recolocação profissional.

No entanto, é cada vez mais comum que, ao se interessar por uma oportunidade de emprego, eles se deparem com um processo seletivo on-line, executado em plataformas que utilizam inteligência artificial, com várias etapas, testes de concentração, avaliações técnicas e psicológicas, dinâmicas e entrevistas, tudo feito remotamente, sem contato presencial e, muitas vezes, sem nenhum recrutador do outro lado da tela. 

O recrutamento virtual se intensificou na pandemia em razão do distanciamento social que impossibilitou a realização das etapas presencialmente e, desde então, as organizações perceberam que o formato remoto agilizou a atividade e reduziu o custo. Mais que isso, elas perceberam que, se bem feito, ele pode gerar resultados superiores ao modelo tradicional.

Triagem via algoritmo

A consultora de carreira e recolocação profissional Camila Fares explica que o algoritmo das plataformas de recrutamento e seleção serve como um filtro na busca por candidatos que mais se adequam ao perfil das vagas. A inteligência artificial desses softwares (ou os chamados “robôs”) avalia milhares de currículos e mostra aos recrutadores, em milésimos de segundo, os profissionais que se encaixam nos requisitos. 

“A partir das informações fornecidas pelos candidatos, as plataformas estabelecem padrões e filtram os melhores perfis, com base no alinhamento prévio feito pelo gestor. Em geral, são considerados aspectos como formação, experiências anteriores, idiomas e até pretensão salarial. Um exemplo: se uma empresa busca um profissional de RH com três anos de experiência, o robô vai omitir candidatos com tempo de prática abaixo do exigido. Isso facilita a vida do recrutador e agiliza o processo”, esclarece Camila.

       Guilherme Dias (crédito Manoela Meyer) 

Segundo Guilherme Dias, cofundador e CMPO da Gupy, empresa de tecnologia para RH, as etapas do recrutamento on-line são bem parecidas com os processos seletivos presenciais, mas a principal diferença é que um volume maior de pessoas pode participar de mais de uma etapa do processo e, por isso, não é exatamente igual.

Para tornar a contratação mais eficiente, os clientes da Gupy contam com a Gaia, a inteligência artificial da empresa, que faz uma primeira análise dos currículos e forma um ranking de pessoas candidatas, segundo a afinidade com a vaga. “É importante destacar que a nossa inteligência apenas ordena os perfis, quem determina quem vai avançar ao longo do processo seletivo são os profissionais de RH, responsáveis pela contratação”, esclarece Dias.

Vantagens e desvantagens

Ao comparar os processos seletivos on-line com os tradicionais, a vantagem é bem significativa, principalmente quando se pensa na quantidade de currículos que uma pessoa precisava analisar, além de outras obrigações e sentimentos vivenciados ao longo do dia, fatores estes que poderiam impactar na qualidade das escolhas realizadas. “A disposição de uma pessoa recrutadora analisando o primeiro e o centésimo currículo manualmente certamente não é a mesma. Agora, a inteligência artificial tirou do profissional a responsabilidade de olhar centenas e até milhares de papéis manualmente. Contudo, cabe ao recrutador a análise dos perfis dos candidatos e passá-los para a próxima fase”, pondera o cofundador da Gupy. 

A tecnologia também auxilia as empresas a evitarem os vieses inconscientes durante a contratação, pois ela não lê gênero, etnia, idade, classe social, região onde mora ou a universidade que o candidato estudou. “O ranking de afinidades que entregamos para a empresa considera apenas as informações técnicas e comportamentais do currículo”, revela Dias.

                 Camila Fares

A robotização do processo também traz vantagens aos candidatos, pois as plataformas possibilitam o acesso à diversas vagas disponíveis no mercado em um único ambiente. “Além disso, o custo com deslocamento para realização das etapas deixa de existir e ele pode, inclusive, participar de processos seletivos em outras cidades e estados, se desejar”, avalia Camila. 

Por outro lado, o excesso de robotização torna o processo mais impessoal, podendo gerar uma leitura incorreta do candidato e possíveis falhas na escolha do colaborador. “Na entrevista presencial, conseguimos observar melhor como o candidato reage a determinadas perguntas, sua linguagem corporal e até sentir sua energia. No on-line, muitas dessas percepções ficam prejudicadas. Por isso, é importante que o recrutamento virtual seja muito bem planejado, com etapas estrategicamente desenvolvidas, para tornar o processo o mais assertivo possível”, sugere a consultora de carreira.

Camila ainda lembra outro item fundamental desta jornada. Para ela, as empresas devem se conscientizar que, embora a tecnologia tenha um papel importante no processo, o profissional de RH ainda é o protagonista. “É ele quem deve conduzir todo o recrutamento on-line, configurar a plataforma, escolher os testes adequados à vaga, conduzir as entrevistas e decidir, junto ao líder da área, o melhor candidato”, define.

Outro fator sensível do recrutamento on-line é que, por mais que a tecnologia facilite a busca pelo candidato ideal, a empresa pode ficar suscetível à eliminação de bons perfis. Para se ter uma ideia desse cenário, uma pesquisa da Harvard Business School, publicada em setembro de 2021, revelou que cerca de 27 milhões de trabalhadores norte-americanos estão ocultos no mercado de trabalho, pois não são encontrados pelos algoritmos.

No entanto, a consultora defende que, nesse caso, a culpa não é dos robôs. Para ela, os candidatos precisam compreender que os processos mudaram e devem se preparar para essa nova realidade de seleção. “Aquele que entende como funcionam os algoritmos e domina as melhores estratégias se destaca e sai à frente dos concorrentes”, garante Camila.

Nem tudo são flores

Os relatos de quem participa ou já participou dos processos seletivos on-line nem sempre são positivos. É comum ver nas redes sociais, em especial no LinkedIn, comentários sobre testes com problemas, falhas na finalização da candidatura, ausência de feedback, além, é claro, de relatos sobre a frustração que esses erros geram. 


           Cristina Canhadas

Esse é o sentimento de Cristina Canhadas, que atua na área de TI como analista de requisitos e product owner. Ela trabalha em contratos que duram, em média, seis meses e precisa recorrer a novas vagas disponíveis sempre que um projeto está terminando. Recentemente, ela se cadastrou em quatro oportunidades na plataforma Gupy e, em menos de 24 horas, recebeu o retorno das empresas agradecendo a candidatura e informando sobre a não continuidade do processo com ela. Dona de um bom currículo e de certificações, ela entrou em contato direto com as organizações e foi convidada para entrevistas. Essa experiência a fez desacreditar da plataforma e a não querer se candidatar novamente.

O cofundador da Gupy pontua que, de maneira geral, parte da dificuldade de alguns candidatos é gerada por não compreenderem o funcionamento da plataforma ou por não conhecerem as melhores práticas para os processos seletivos on-line. “Desde o ano passado, criamos um blog com conteúdos exclusivos, um perfil no Instagram e lançamos um curso que inclui um módulo sobre inteligência artificial, o qual explica o que é e como ela funciona”, esclarece.

Dias alega, ainda, que as empresas precisam repensar os seus processos seletivos, com uma mentalidade de transformação digital, para oferecer uma melhor experiência aos candidatos. “Recrutamentos longos, com muitas etapas e testes complexos, além de oferecerem uma experiência negativa, nem sempre são efetivos para a empresa contratar o melhor talento. É preciso considerar o que, de fato, é importante avaliar para a vaga proposta e garantir uma experiência positiva para a pessoa, mesmo que ela não seja aprovada”, orienta.

Camila concorda que nesse processo de transição do recrutamento presencial para o digital alguns ajustes precisam ser feitos. Entretanto, ela reafirma que os candidatos têm que entender que os desafios tecnológicos existem em todas as áreas e cabe a eles se adequar às novas ferramentas do mercado de trabalho. “Em contrapartida, as empresas que oferecem os serviços de recrutamento on-line, bem como as que contratam esses serviços, devem ficar atentas às reclamações dos candidatos. O objetivo da tecnologia é facilitar processos e não construir barreiras”, diz a consultora. 

Como ser notado pelos robôs

Sabe aquele currículo padrão que você formatou há muito tempo? Esquece! Agora, para ser encontrado pelos algoritmos é preciso utilizar corretamente as palavras-chave da sua área de atuação. “São essas palavras que os recrutadores vão utilizar para filtrar os candidatos e são elas que farão você passar na triagem do algoritmo”, explica Camila.

Insira no currículo, de maneira objetiva, o máximo de informações relevantes da sua trajetória profissional e mantenha-o sempre atualizado nas plataformas de emprego, pois os recrutadores dão preferência para os CVs com alterações recentes. “Mesmo que não tenha nada a acrescentar, é válido atualizá-lo a cada três ou seis meses”, orienta a especialista.

Outro ponto importante é ler o anúncio da vaga e só se candidatar se o seu perfil atender pelo menos 70% da descrição. Além disso, estude a missão, visão, valores e princípios da empresa para conhecer o que ela espera de seus colaboradores. “Esteja sempre preparado para participar de um processo seletivo e seja dono de sua carreira”, orienta Camila.



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