Manda quem pode, obedece quem tem juízo - CRA-SP
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Manda quem pode, obedece quem tem juízo

Entenda por que essa premissa não faz mais sentindo na liderança do futuro.

As transformações constantes e progressivas pelas quais o mundo vem passando, devido, principalmente, à Revolução 4.0, apresentam-se em vários setores da sociedade. No empresarial, por exemplo, as referidas mudanças já deixaram suas marcas, transformando, inclusive, a visão de negócio de muitos empresários (estão aí as startups como prova disso). As organizações, até pouco tempo, colhiam frutos “baseadas em estruturas rígidas de comando e controle, competitividade interna e bônus agressivos para provar que exerciam uma meritocracia”, como evidencia Márcio Fernandes, eleito o líder mais admirado do Brasil, em 2014, pela Revista Você S/A. 

Hoje, no entanto, a “aceleração exponencial da tecnologia” despertou uma nova mentalidade na sociedade e tal fato “revoluciona a maneira como nos comunicamos, compramos, socializamos e, claro, impacta na forma como devemos liderar”, explica Carlos Aldan, CEO do Grupo Kronberg, empresa responsável por treinamentos e orientação profissional. Fazendo um recorte para o cenário empresarial contemporâneo, ainda de acordo com ele, é necessário “nos livrarmos das engrenagens do capitalismo industrial”, frente ao surgimento de uma nova indústria de caráter exponencial que exige habilidades para além do repertório “comanda e controla”.

A gestão do passado está perdendo espaço para uma nova diretriz empresarial, que deixa de lado as verdades absolutas. O antigo ambiente corporativo, marcado pela estabilidade, agora se oxigena com ações e decisões ágeis, propósito genuíno e uma cultura organizacional que, entre outras características, apresenta uma liderança horizontal, onde tanto o gestor de alta hierarquia quanto seus colaboradores são cocriadores dos resultados, sejam eles positivos ou não. O novo líder empodera seus liderados que, cada vez mais, buscam destaque na empresa. 

Carlos Aldan - CEO do Grupo Kronberg

No mundo atual, não cabe mais a gestão fundamentada do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. O líder ainda visto como um “super-herói” também está prestes a sumir dos ambientes corporativos, como explica Aldan: “O conhecimento se multiplica em velocidade vertiginosa. Até 1900 tínhamos que esperar 100 anos para algo novo acontecer na sociedade humana. Hoje, o conhecimento dobra a cada 13 meses no geral e em 73 dias na área médica, por exemplo. Ou seja, um médico teria que estudar 29 horas por dia para se manter atualizado! Não existe, portanto, o CEO super-homem”.

Novo perfil de liderança

É das referências que existem no Vale do Silício, na China e nas grandes empresas em processo de transformação que Pedro Englert, CEO da StartSe, traz uma série de “ingredientes” para o seu modelo de gestão. O administrador que desde 2016 está à frente da empresa - um importante ecossistema brasileiro de startups - acrescenta que “o principal aprendizado dos últimos anos foi entender a necessidade do constante aprendizado”. “Por mais que a gente [os líderes] saiba, a gente sempre sabe muito pouco frente ao que deveríamos saber. Então temos de estar em constante desenvolvimento, buscando novas referências, trazendo novas práticas e testando”, ressalta.

Os líderes saíram do pedestal de inatingíveis e onissapientes para uma posição mais humana, mais próximos da equipe. O derrubar de paredes, sejam elas físicas ou metafóricas entre líderes e liderados, é um dos paradigmas que a nova liderança tem quebrado no mundo corporativo. Para Fernandes, criador de uma nova filosofia da gestão que desafia o modelo tradicional e propõe novas possibilidades nesse âmbito, outros padrões foram derrubados, como a necessidade de manter distanciamento da equipe para exercer hierarquia sobre ela. “Ele [novo líder] passa a atuar com as pessoas, de maneira sistêmica, conectada, ágil e sem barreiras. O novo líder consegue também trazer, de maneira equilibrada, a afetividade para a vida profissional, com importância idêntica à efetividade. Isso gera “equilíbrio”, destaca o administrador que se tornou presidente da Elektro, umas das maiores distribuidoras de energia elétrica do Brasil, aos 36 anos.

        Márcio Fernandes - líder mais admirado do Brasil

Quem também chegou à presidência de uma grande corporação antes de completar quatro décadas de vida foi Rodrigo Galvão. Em junho de 2017, aos 35 anos, o também administrador assumiu a Oracle Brasil, posição que mantém até hoje. O executivo começou sua carreira no braço brasileiro da multinacional de tecnologia como estagiário, há quase 20 anos. Adepto do estilo low-profile, Galvão foge ao estereótipo do executivo padrão desde a vestimenta à maneira como enxerga seu papel dentro da corporação. A calça jeans e camisas básicas usadas com frequência por ele são apenas um detalhe do perfil de liderança moderno que desenvolveu. Para o paulistano formado pela PUC-SP é importante conseguir que sua gestão impacte positivamente a vida das pessoas. Ele defende a visão de transformar a vida de pessoas e o mundo por meio da inovação e empoderamento. “Hoje o mundo lá fora grita por líderes que coloquem as pessoas no centro, que olhem o indivíduo”, explica o executivo que se orgulha de ter participado da criação de um programa de contratação de estagiários que analisava os valores e não os currículos dos candidatos.

Líder na prática

Acompanhar se o funcionário chegou na hora certa, se cobrou o cliente ou se mandou a proposta não devem ser funções da liderança 4.0. Segundo Englert, um gestor de sucesso precisa entender onde está o cliente, como a tecnologia tem evoluído, onde estão as dores do usuário: “um líder tem o papel de engajar e envolver as pessoas para manter o time alinhado”, orienta.

Nunca antes se mudou tanto de emprego como hoje. Ao contrário da trajetória profissional de Galvão, que construiu a carreira dentro de uma única empresa, muitos profissionais atualmente não desejam ficar muito tempo no mesmo emprego. O anseio por novas experiências e oportunidades cria uma rotatividade frenética nos departamentos, o que por um lado é bom: ajuda a oxigenar o ambiente. Por outro, do lado do gestor, fica mais difícil a retenção de bons profissionais, um grande problema da gestão contemporânea. Para contornar esse imbróglio, faz-se mais do que necessário que o líder conheça e entenda individualmente quem são seus liderados, o que eles querem e esperam da empresa e carreira, surgindo aí um outro viés desse novo perfil de liderança: a habilidade de gerir sob a diversidade. 

Rodrigo Galvão - presidente da Oracle

Pesquisas pelo mundo comprovam que equipes diversas são mais eficientes e produtivas. Contudo, ainda existem muitos gestores que não sabem identificar e incentivar várias facetas dos colaboradores de modo que elas tragam as vantagens da pluralidade no ambiente de trabalho. É preciso compreender que o liderado é um indivíduo com qualidades, limitações, desejos, enfim, diferenças que impactam diretamente no resultado que apresentam. Quando a liderança pratica o respeito e a liberdade, as diferenças são melhor assimiladas e os resultados positivos vêm mais organicamente, como explica Galvão, um entusiasta da diversidade corporativa: “Quando você é responsável pelo todo, começa a entender que existe diversos tipos de estilos, pensamentos e, cada vez mais, é importante dar aquele passo para trás antes de querer andar para frente. Daí, você começa a entender que esse tal de mundo diverso que a gente fala, nada mais é do que você conseguir respeitar o que cada um é e o que cada um pensa.”

Resultados escaláveis

O valor de uma equipe engajada, incentivada e entusiasmada já foi reconhecido por diversas empresas. Profissionais satisfeitos são mais produtivos e custam menos às organizações se considerarmos que eles, além de desempenharem melhor suas demandas, têm menos probabilidade de desenvolverem doenças laborais, como a Síndrome de Burnout, doença de fundo emocional resultante de trabalhos desgastantes que demandam muita competitividade e responsabilidade. De acordo com pesquisas e experiências práticas realizadas pelo Grupo Kronberg nos últimos 17 anos, um líder colaborativo e inclusivo gera maior cooperação, adaptabilidade à mudança, confiança, automotivação e execução ágil em sua organização quando comparado com chefes dissonantes. Vale ressaltar, também, que o clima organizacional tem um impacto de 57% no resultado financeiro da empresa.

      Pedro Englert, CEO da StartSe

Englert acredita que as empresas que conservarem o padrão de gestão antigo ou acelerarem a transformação da sua cultura organizacional nos moldes das novas exigências de mercado e da sociedade, “certamente viverão cada vez menos”. Ele comprova essa afirmação através dos rankings mundiais que demonstram o tempo médio de vida das grandes organizações reduzido drasticamente. “No passado, as empresas de grande porte ficavam, em média, 60 anos no topo. Agora, as maiores ficam cerca de 15 anos nessa posição”, explica acrescentando que “quem não entender que o cliente hoje é quem manda, que a gente precisa se desenvolver constantemente para entender o que ele precisa — e que para isso é necessário um time engajado — fatalmente vai estar fora do jogo nos próximos anos”. 

É impossível dizer com precisão qual será o futuro empresarial frente à nova Era Digital. Contudo, as fortes tendências de gestão que já se apresentam no ambiente corporativo ajudam a traçar diretrizes que levam luz aos que muito se questionam sobre qual caminho seguir nesse mundo de constante e aceleradas transformações. A você, gestor, cabe a decisão de aprender a surfar nessa onda ou de se manter “seguro” na marola, afinal, a extinção do papel do líder hierárquico e amedrontador é agora somente uma questão de tempo!  




Revista Administrador Profissional - ADM PRO
Publicação física com periodicidade trimestral
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