Roberto Marques é o Administrador Emérito 2021 - CRA-SP
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Roberto Marques é o Administrador Emérito 2021

Prêmio do CRA-SP chega à sua 40ª edição homenageando o CEO do Grupo Natura &Co 

Entregue anualmente para um profissional que tenha contribuído para o desenvolvimento da Administração e se destacado em suas atividades, o prêmio Administrador Emérito alcançou em 2021 um marca histórica: 40 edições. Apesar da longevidade, a láurea vem, ano após ano, mostrando o dinamismo da área da Administração, que deve estar atenta às mudanças do mundo para a construção de uma sociedade economica e socialmente mais forte. Prova disso é a homenagem a Roberto Marques, CEO de Natura &Co, grupo que congrega quatro importantes marcas de beleza (Natura, Avon, The Body Shop e Aesop) e que aposta fortemente em sustentabilidade dentro de seus negócios. 

Marques foi escolhido para receber o prêmio pelo Plenário do CRA-SP, após análise de uma lista tríplice apresentada pela comissão especialmente designada pelo Conselho para sugestão de nomes. Este ano, a comissão, composta por representantes de diversas entidades, reuniu Fernando Meirelles, da FGV; Fernando Alves, Administrador Emérito em 2013, Felipe Saboya, do Instituto Ethos; Marcel Solimeo, da Associação Comercial de São Paulo; Mônica Orcioli, do Grupo Ânima; Ary Kuflik Benclowicz, do Sindicato dos Administradores no Estado de São Paulo; além de Idalberto Chiavenato, Silvio Minciotti e Teresinha Covas, conselheiros do CRA-SP.

Carreira

Formado em Administração pela Fundação Getulio Vargas, Marques também participou de programas executivos na Kellogg School of Management (na Universidade de Northwestern) e na The Wharton School (na Universidade da Pensilvânia). Está na Natura desde 2016 liderando a transformação da companhia em um negócio global e multimarcas, o que aconteceu com a aquisição da The Body Shop, em 2017, e que deu origem ao grupo Natura, em 2018. Em 2020, Marques também liderou a compra da Avon, uma negociação de cerca de 2 bilhões de dólares e que resultou na criação da 4ª maior empresa de beleza do mundo. 

Antes de iniciar sua trajetória na Natura, ele atuou como presidente para a América do Norte da Mondeléz International. Por mais de 25 anos, ocupou posições executivas na Johnson & Johnson, desempenhando diversos papéis, com ampla experiência internacional e passagem pelo Brasil, Colômbia, Reino Unido e os Estados Unidos. 


Cerimônia virtual

Devido à pandemia e assim como em 2020, este ano a entrega do prêmio Administrador Emérito aconteceu de maneira virtual e contou com a participação dos ex-eméritos David Feffer, CEO da Suzano Holding (2020); Fernando Alves, ex-CEO da PWC (2013); e Claudia Costin, ex-diretora de Educação do Banco Mundial (2017); além do governador do Estado de São Paulo, João Doria, que deixaram suas mensagens para Roberto Marques por meio de vídeos. Você confere a cobertura completa da homenagem no vídeo abaixo. 

Youtube Video

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Entrevista 

“Não vamos conseguir fazer negócios em um planeta destruído e desigual”

Em entrevista exclusiva para a ADM PRO, Roberto Marques fala sobre a importância de as empresas incluírem a agenda ESG em seus negócios e da necessidade de pensarmos genuinamente no ser humano

Revista ADM PRO - A Natura &Co está presente em mais de 100 países e congrega marcas de diferentes nacionalidades, como a The Body Shop e a Aesop. Como essa pluralidade de culturas impacta no dia a dia do grupo? 

Roberto Marques - É justamente nessa diversidade que enxergamos um de nossos maiores ativos. Juntos, nossos negócios são capazes de realizar e alcançar objetivos que não seriam possíveis se estivessem separados. Nós nos valemos dessa inteligência coletiva para atuar por impacto positivo. Ao mesmo tempo em que cada uma das nossas marcas é autônoma na relação com seus consumidores e com as suas comunidades, elas estão em interdependência umas com as outras, afinal, há uma visão e um propósito comuns conectando Avon, Natura, The Body Shop e Aesop.

Essa combinação de empresas e pessoas dá concretude à nossa visão e ao nosso propósito, ambos originalmente guiados pela Natura e agora manifestos por Natura &Co: construir um grupo que, para além da expressão mundial que já tem, estabeleça uma comunidade de pessoas comprometidas a construir um mundo melhor, por meio de relações melhores consigo mesmas, com o outro e com a natureza. 

É dessa forma que seremos capazes de contribuir para maneiras melhores de viver e de fazer negócios para todos. Não há materialização possível dessa visão e desse propósito senão por meio de cultura de cooperação profundamente enraizada. Foi o que vimos, por exemplo, na resposta dada pelas marcas e pelo grupo à pandemia da Covid-19, dentro e fora dos limites dos negócios, em ação imediata de cuidado com as pessoas.

ADM PRO - O grupo Natura &Co é reconhecido por suas práticas sustentáveis perante toda a sociedade. Como você vê o crescimento do debate acerca do tema ESG (environmental, social and governance, na sigla em inglês)? Você acredita que as organizações estão preocupadas e realmente entendendo a importância desse conceito nos negócios? 

Roberto Marques - As mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e o aprofundamento das desigualdades sociais dão o tom do momento crítico pelo qual passamos enquanto sociedade, enquanto espécie. A crise da Covid-19, cujo efeito tem sido sistêmico - e que ainda não foi superada em muitos países -, só reforça que os negócios devem incorporar essas preocupações em nível estratégico e operacional. Diante disso, não há transformação possível sem que haja ação direta das empresas por inclusão, por distribuição de renda e por uma economia de baixo carbono. 

Quando falamos em ESG, trata-se de compreender – e medir continuamente - os impactos que as empresas têm sobre as pessoas e sobre o planeta, seja para guiar a operação na ponta, seja para informar na hora do investimento. Nós não vamos conseguir fazer negócios em um planeta destruído e desigual: é tão simples e tão complexo quanto isso. É preciso que as empresas gerem impacto positivo de maneira mais holística, mais global, e que não se restrinjam a seus acionistas. 

Apesar dos desafios, sou um otimista da cooperação. Essa mensagem tem tido mais alcance, mais empresas têm buscado se informar, aprender e contribuir para a mudança. Mas é preciso trabalhar estes temas no cerne da estratégia dos negócios, não em um departamento – e vincular a agenda da sustentabilidade à remuneração dos executivos. Tenho certeza de que, se aplicamos à agenda socioambiental a mesma disciplina que hoje aplicamos aos reportes financeiros trimestrais, encontraremos soluções inclusivas e regenerativas para tocar nossos negócios neste século.

ADM PRO - A Natura e a Avon são muito firmes na defesa pelo fim dos testes em animais e, embora isso tenha ganhado espaço ultimamente, ainda sabemos que há um longo caminho a ser percorrido. O que você considera o principal entrave para essa mudança? Isso está mais ligado aos custos do processo ou é algo cultural na nossa sociedade? 

Roberto Marques - Nossos quatro negócios são comprometidos a não realizar testes em animais. Natura, The Body Shop e Aesop possuem a Certificação Leaping Bunny, padrão global de produtos livres de crueldade animal, concedido pela ONG Cruelty Free International, enquanto a Avon foi uma das primeiras empresas a interromper esses testes há mais de 30 anos. Mantemos um forte posicionamento contra a prática em todos os mercados em que atuamos. 

Nossas marcas utilizam os mais variados métodos alternativos à testagem em animais, como testes in vitro, modelos computacionais avançados, pele sintética 3D criada em laboratório e testes de alergia em voluntários humanos. Isso garante que nossas fórmulas sejam seguras, eficazes e livres de crueldade contra os animais. 

Esse é o tipo de mudança que não se restringe aos muros do grupo, mas que precisa ser construída conjuntamente entre empresas, inclusive entre concorrentes, e governos. Foi por isso que, em agosto deste ano, por exemplo, a The Body Shop firmou uma parceria com a Dove para pressionar a União Europeia a manter o banimento de testes em animais com fins cosméticos. O bloco, que é referência global nesse tipo de regramento desde 2004, está sob risco de retroceder na proibição por conta de exigências da ECHA, a Agência Química Europeia. O objetivo é mobilizar 1 milhão de cidadãos europeus e assegurar a proibição.

ADM PRO - Outra bandeira muito defendida pelo grupo Natura &Co é a questão da diversidade, muitas vezes retratada nas ações de marketing das empresas do grupo. Como isso é trabalhado internamente por vocês, no que diz respeito a igualdade em cargos e posições estratégicas? 

Roberto Marques - Está registrado em nossas crenças que ‘quanto maior a diversidade das partes, maior a riqueza e a vitalidade do todo’. Precisamos ser coerentes com isso. Um dos três pilares de nosso Compromisso com a Vida - conjunto de metas robustas para o grupo lançadas no ano passado, com vistas a 2030 - diz respeito à Defesa dos Direitos Humanos e endereça algumas das questões mais desafiadoras de nosso tempo: equidade de gênero em posições de liderança, bem como equidade salarial entre homens e mulheres; a inclusão de grupos historicamente sub-representados, seja por aspectos étnico-raciais, socioeconômicos, de diversidade sexual ou de identidade de gênero; e a intolerância a violações de direitos humanos em nossas cadeias de valor. 

Esse caminho já está sendo trilhado. Na América Latina, por exemplo, o grupo Natura &Co já tem 51% de mulheres em cargos de liderança. É importante dizer também que há mais de 15 anos já concedemos benefícios de saúde a companheiros e companheiras LGBTQIA+. No Brasil, temos berçários para os filhos de colaboradores em licença-maternidade e licença-paternidade, independentemente da identidade de gênero. 

Criar uma cultura inclusiva passa por criar um ambiente organizacional livre de estereótipos, em que as pessoas se sintam confortáveis e seguras para serem quem são. Na prática, isso se manifesta nos benefícios que mencionei, mas também em processos seletivos mais inclusivos, e em políticas de conscientização e sensibilização sobre a importância da equidade de direitos, que estabeleçam mecanismos contundentes de combate a comportamentos discriminatórios. É o que prega nossa Política de Valorização da Diversidade.

ADM PRO - No último ano, no qual enfrentamos uma série de desafios, principalmente relacionados à pandemia, muito se falou sobre o equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Como você vê essa pauta e de que forma o grupo trabalha esse equilíbrio junto aos seus colaboradores? 

Roberto Marques - O ano de 2020 realmente nos impôs desafios inéditos. As incertezas nos obrigaram a tomar decisões com cautela, prudência e, sobretudo, muita empatia. Ao mesmo tempo que tínhamos diante de nós um desafio de negócio sem precedentes, que era a integração da Avon ao grupo Natura &Co, tínhamos clareza de que, antes de tudo, seria preciso cuidar das pessoas para atravessar a pandemia.

Rapidamente estabelecemos uma força-tarefa global e nomeamos equipes específicas em todos os negócios para encontrar maneiras de interagir e contribuir com nossos públicos de interesse. Ampliamos a oferta de serviços de telemedicina e apoio psicológico para os nossos colaboradores, força de vendas e trabalhadores terceirizados. Também realizamos pesquisas internas para capturar as questões que mereciam endereçamento. Dessa forma, a empresa conseguiu dimensionar melhor o que deveria pôr em prática para, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade de vida das pessoas e a sua produtividade. 

Toda essa experiência reforçou nossa convicção de que não há economia sem as pessoas e que elas devem ser ouvidas sistematicamente para que os negócios possam prosperar. 

ADM PRO - Como a sua formação em Administração lhe ajudou durante a sua carreira, em especial na hora de liderar grandes times? 

Roberto Marques - Sou muito grato pela formação que tive e ela foi fundamental para a minha carreira. Fiz Administração na Fundação Getulio Vargas, onde há um propósito claro de transformação da sociedade e do mercado. Mais do que oferecer conhecimento para planejar, organizar e gerenciar recursos pessoais e financeiros de uma organização, a formação em Administração permite a construção de uma visão ampla, como cidadão e administrador, sobre como podemos exercer impacto positivo. Na FGV, pude conviver com professores excepcionais que me proporcionaram uma formação sólida, fortalecendo princípios de ética, visão sistêmica, pensamento crítico e até mesmo sustentabilidade, um conceito ainda não muito difundido naquela época.

Mas também atribuo muito do que sou hoje profissionalmente aos meus primeiros anos de estudo. Estudei no Colégio Santa Cruz, em São Paulo, pautado por princípios vinculados à formação humanista em suas diferentes dimensões, num ambiente preocupado com o respeito e a valorização dos direitos humanos, a prática solidária, a valorização do livre-pensar e da diversidade cultural, religiosa, racial, de gênero, social e política. 

Esse conjunto de vivências durante meus anos de formação me ajudou a entender melhor o mundo em que estamos, ao colocar a dimensão humana acima das coisas. E acredito que se preocupar genuinamente com o outro e buscar construir diálogos respeitosos e transparentes são o primeiro passo para qualquer cargo de liderança.




Revista Administrador Profissional - ADM PRO
Publicação física com periodicidade trimestral
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