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Como proteger sua marca do cancelamento

Em plena era da informação instantânea e evolução das redes sociais, um fenômeno vem desafiando significativamente as organizações e colocando à prova sua reputação: a cultura do cancelamento. O movimento, até então recorrente entre figuras públicas e influenciadores digitais, passou a ter o universo corporativo como alvo e, qualquer discurso ou posicionamento que esteja desalinhado com as crenças e valores dos consumidores, tem resultado em boicote às marcas, críticas públicas e pressão social por mudanças de atitudes.

Entre os motivos mais frequentes que levam as pessoas a cancelarem uma empresa, segundo Gigi Grandin, sócia-fundadora da Grapa Digital e especialista em marketing de influência, estão as declarações ou ações polêmicas da organização ou de seus líderes. Além disso, as práticas comerciais antiéticas e a venda de produtos defeituosos ou perigosos também são fatores que podem pôr em risco o engajamento da marca nas redes. Outros pontos, ainda mais graves, como falas ou ações preconceituosas, homofóbicas, racistas ou capacitistas são ações intoleráveis no tribunal virtual.

Por mais que o cancelamento público seja uma forma de expressar o descontentamento e responsabilizar as organizações por seus erros, Gigi vê a prática como algo perigoso porque, em muitos casos, as ações tomam um rumo meteórico e deixam um rastro de destruição. “Não estou dizendo que o cancelamento é errado, pois na maioria das ocasiões ele tem fundamento. Entretanto, o perigo é a proporção dessa ação que pode ser comparada a um apedrejamento online em alguns casos”, alerta Gigi.

Gigi Grandin

Embora o ato de apontar o dedo para os erros alheios não seja nenhuma novidade, na internet a contestação de atitudes ou declarações ganha uma abrangência muito maior, em razão da capacidade que as redes sociais têm de amplificar as mensagens. “Antigamente, se você tinha uma opinião ou experiência ruim com uma marca, aquilo ficava entre você e o seu círculo próximo. Hoje em dia, as pessoas criam hashtags específicas, xingam no X (antigo Twitter), ou seja, utilizam o espaço virtual para que a sua voz seja ouvida e para se posicionar contra as empresas que afetaram os valores e crenças de um grupo específico da sociedade”, explica a fundadora da Bits to Brands, estrategista de marcas e TEDx Speaker, Beatriz Guarezi. 

Outra questão que na opinião de Beatriz também leva ao linchamento virtual é a quebra de expectativa do consumidor, seja em relação a um produto ou uma experiência que não corresponde ao seu custo-benefício. “Um exemplo é quando uma pessoa tem uma experiência muito ruim com uma companhia aérea, ela filma e aquilo viraliza nas mídias. Esse empoderamento que as redes sociais trouxeram para as pessoas permite que elas reverberem esse sentimento negativo o máximo possível”, comenta.

Diante destas mudanças, as organizações precisam ficar atentas ao poder atual do consumidor. De acordo com a pesquisa Cultura do Cancelamento Corporativo, desenvolvida pela agência Porter Novelli com 1.004 adultos nos Estados Unidos, 72% dos entrevistados da nova geração se sentem capacitados para compartilhar seus pensamentos ou opiniões sobre as empresas, enquanto 64% usam redes sociais, hashtags e afins para darem esse feedback.

O estudo mostra, também, que 69% dos respondentes veem o cancelamento massivo como uma forma de chamar a atenção das marcas e, por mais que amem os produtos e serviços de uma empresa, 66% a cancelariam se ela fizesse algo errado ou ofensivo.

       Marco Aurélio de Souza Rodrigues

Impactos do cancelamento

De acordo com o consultor em Planejamento Estratégico e docente da pós-graduação em Marketing, Estratégia e Gestão de Inovações da ESPM-RJ, Marco Aurélio de Souza Rodrigues, os impactos do cancelamento são percebidos em dois grandes momentos. O primeiro deles é justamente na execração pública que acontece nas redes. “É colocar o dedo na ferida mesmo. Os seguidores olham a transgressão cometida pela marca e decidem o porquê dela ser passível de repreensão”, conta. Já o segundo momento é a repreensão econômica. “A punição pode ser de forma indireta, deixando de segui-la, ou de forma direta, com um boicote efetivo à compra e ao consumo daquela empresa, gerando um impacto econômico à marca”, explica o docente.

Apesar de, em muitos casos, o cancelamento permanecer no ambiente online, os efeitos dessa ação podem romper a esfera digital e causar, inclusive, a destruição de uma empresa. “Além desse fato, podemos citar também outros desdobramentos, como os danos à confiança e à imagem da marca. A perda de clientes e receita, além do impacto negativo nas ações também se somam aos prejuízos. Na tentativa de amenizar a crise, as organizações recorrem a ações corretivas caras, como campanhas de relações públicas”, esclarece a sócia-fundadora da Grapa Digital.

Como proteger a reputação

Segundo Beatriz, para proteger a sua reputação, as organizações precisam ser verdadeiras em relação ao seu posicionamento e promessas, pois, assim, não há a quebra de expectativa. “O consumidor vai saber que aquela marca é daquele jeito. Mas, contraditoriamente, o próprio posicionar-se de forma clara pode dar razão ao cancelamento. Vemos, por exemplo, organizações que são a favor da causa LGBTQIA+ e, por esta razão, todo um setor mais conservador da sociedade promove um boicote a elas. Todas as marcas estão passíveis de cancelamento e, se não dá para agradar todo mundo, que pelo menos o público-alvo esteja do seu lado”, complementa.

Ao abraçar uma causa, explica o docente da ESPM, a empresa passa a trilhar uma linha tênue. Nesse mundo polarizado, o olhar de um grupo de consumidores sobre determinada questão é especialmente diferente do olhar de outros grupos de clientes. “Não há uma bala de prata para proteger uma marca de um cancelamento. Talvez uma reflexão interessante seja a organização tentar avaliar o quanto esse debate, que porventura esteja sendo desenvolvido com seus consumidores, é genuíno porque, em essência, o que as pessoas buscam das empresas (e que gera grande engajamento) é a ideia da autenticidade. E mesmo que se cometa uma transgressão, se o consumidor entender que ela é autêntica, as chances de haver uma reação mais agressiva são menores, embora não dê para garantir que isso não vai ocorrer”, ensina Rodrigues. 

Beatriz Guarezi

Gestão estratégica

Como já está claro que nenhuma empresa está ilesa ao cancelamento, ter estratégias bem definidas para gerenciar as situações de crise podem reduzir significativamente os impactos negativos na imagem da marca. 

Para Gigi, o primeiro passo é analisar o tamanho da situação para entender a magnitude que o cancelamento tomou e, assim, agir proporcionalmente. Além da análise, é importante também ter uma estratégia de comunicação alinhada, não apenas com os times de comunicação, mas com o DNA da marca, assim, caso aconteça uma situação de cancelamento, é possível se defender com agilidade e construir um posicionamento honesto, seguro e genuíno. “A marca também deve comprometer-se com melhorias tangíveis e mudanças positivas a longo prazo”, aconselha a especialista.

Por mais que existam tipos de cancelamentos mais graves que outros, como questões de preconceito, por exemplo, as empresas não podem olhar para as causas menos graves e simplesmente achar que a repercussão vai passar. Para Beatriz, o problema precisa ser encarado de frente e medidas corretivas, imediatas e efetivas devem ser colocadas em prática.. 

Outra questão que vem se tornando um problema sério para as marcas é a contratação de influenciadores e figuras públicas para divulgação de seus produtos e serviços. Não são poucos os casos em que organizações tiveram que se posicionar por conta de atitudes e declarações problemáticas destes representantes. 

Um caso que movimentou as redes sociais, por exemplo, foi o da influenciadora Gabriela Pugliesi que, na fase crítica da pandemia em 2020, publicou vários stories no Instagram de uma festa que promoveu em sua casa. O comportamento da influencer gerou revolta e fez com que muitas pessoas não apenas a questionassem, mas também as empresas que a patrocinavam tiveram que se posicionar sobre o ocorrido. A pressão da sociedade sobre as marcas custou caro para Gabriela: empresas como HOPE, Body For Sure, Desinchá e Liv Up cancelaram os contratos publicitários com a influenciadora, que perdeu mais de 100 mil seguidores no Instagram e amargou um prejuízo de quase R$ 3 milhões, segundo especialistas.

Para o professor da ESPM, o fato de a marca estar associada a uma pessoa que foi cancelada é uma situação difícil de administrar, afinal, existe a premissa de que a empresa foi competente no momento de contratar o influenciador, ou seja, notou um alinhamento de valor e significado entre ele e a marca. “Quebrar essa parceria pode ser muito dramático”, declara.

Rodrigues complementa que, neste caso, é importante que a organização tenha autocrítica, reconheça que houve uma transgressão e declare quais ações serão feitas no futuro para que o erro não se repita. “E, claro, parte dessas ações diz respeito a desvincular aquele influenciador que deflagrou aquilo que está sendo entendido como uma transgressão. Entretanto, em geral o público exige mais, quer que a marca adote iniciativas que mostrem que está tentando corrigir aquele erro, seja por ações de cunho social, seja buscando novos influenciadores mais adequados ao comportamento que se espera como ideal”, explica Rodrigues.

Marketing em ação

Para reverter o cancelamento e melhorar a imagem da organização, os profissionais de Administração, especialmente os que atuam no marketing, em conjunto com as áreas de comunicação e de gestão de crise, precisam criar estratégias que enfatizem as práticas corretivas e as mudanças positivas adotadas pela empresa. “A comunicação transparente é fundamental e o marketing deve garantir que todas as ações realizadas posteriormente ao cancelamento estejam alinhadas com o posicionamento da marca. Além disso, o marketing está absolutamente atrelado à imagem da empresa e de seus produtos. Por esta razão, os profissionais devem estar antenados para que a empresa cresça no caminho certo e minimize os erros em todas as esferas”, comenta Gigi.

Uma das competências indispensáveis que esses profissionais devem ter, segundo o docente da ESPM, é a empatia. Afinal, a essência do marketing é entender o outro para suprir suas necessidades e dores. Contudo, ele acredita que o trabalho que visa minimizar os riscos do cancelamento não compete apenas a um único profissional. É preciso formar um time mais diverso, para reduzir o risco de um olhar “míope” a iniciativas e mensagens, que para determinados públicos podem ser consideradas ofensivas.

“Muitas vezes, a transgressão não ocorre porque a organização deliberadamente queria gerar efeitos negativos para um determinado público. Em diversos casos, é simplesmente uma miopia, uma falta de empatia de como determinado comportamento e mensagem podem ser interpretados por diferentes públicos. Então, quanto mais diverso o time, do ponto de vista cultural, religioso e de gênero, maior a capacidade da organização assumir perspectivas de grupos que, de alguma forma, estão representados. Isso aumenta a capacidade da organização se comunicar sem necessariamente acontecer transgressões e sofrer cancelamentos”, conclui o professor. 




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