Semana com 4 dias úteis: tendência ou ilusão? - CRA-SP
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Semana com 4 dias úteis: tendência ou ilusão?

Como o novo formato de trabalho vem sendo implementado por organizações de vários lugares do mundo, inclusive o Brasil

Um dia de trabalho a menos na semana, sem redução de salário ou benefícios: o que era uma possibilidade remota tem se tornado prática crescente em organizações de vários lugares do mundo. Apontada como uma grande tendência, a jornada com quatro dias úteis vem sendo testada em várias companhias e, até o momento, os resultados apontam que a redução de horas trabalhadas favorece a produtividade da empresa, bem como a qualidade de vida dos colaboradores.

No Brasil, embora a legislação trabalhista determine que a jornada seja de até 44 horas semanais, muitas organizações, preocupadas com o bem-estar dos funcionários, começaram a pensar em maneiras inovadoras de melhorar a rotina da equipe. A Zee.Dog, de produtos para pets, e a NovaHaus, de tecnologia e informação, por exemplo, já desfrutam de um dia a mais de descanso. 

A Zee.Dog foi a primeira empresa brasileira a testar o modelo, em março de 2020. Antes disso, pesquisou as melhores práticas ao redor do mundo e as formas de equilibrar produtividade e qualidade de vida. “Deparamos com exemplos de empresas na Austrália, Nova Zelândia e Japão, que adotaram especificamente um dia de folga na quarta-feira. Vimos o modelo como uma oportunidade de se reenergizar no meio da semana, tornando produtivos tanto o bloco de segunda e terça quanto o bloco de quinta e sexta. Eliminamos as quartas-feiras para quase toda a equipe, mantendo a rotina apenas nas áreas que não podem parar, como logística e varejo”, conta Thadeu Diz, cofundador e diretor criativo da Zee.Dog.

  Leandro Pires e Silva

Já na NovaHaus, a ideia de adotar a semana de quatro dias surgiu após entenderem que ter um ambiente físico criativo, jovem e cativante, com videogames e jogos, não ajudaria no bem-estar das pessoas na retomada da rotina. “A pandemia mudou a forma de trabalho, os funcionários criaram uma conexão maior com eles mesmos, com a família e com suas atividades pessoais. A Quarta-Feira Livre, implantada em março deste ano, foi uma forma de continuar proporcionando esses momentos pessoais, até mesmo para os funcionários que optaram pelo retorno ao trabalho presencial”, explica Leandro Pires e Silva, CEO da empresa.

Vantagens da jornada reduzida

Além de equilibrar a vida pessoal e profissional dos colaboradores e fomentar maior produtividade e eficiência nas companhias, a semana de quatro dias também melhora o clima organizacional. E, em um cenário no qual o talento é escasso, a prática traz uma vantagem competitiva para as empresas pioneiras nesse novo formato de trabalho: o aumento do seu poder de atração e retenção, o que é um grande diferencial de employer branding (marca empregadora).

“A diminuição da rotatividade no quadro de funcionários foi o maior benefício que esse sistema de trabalho nos trouxe. Considerando que somos uma empresa de tecnologia e o mercado está superaquecido, esse é um indicativo de sucesso muito relevante”, revela o CEO da NovaHaus.

Na Zee.Dog, a semana de quatro dias trouxe mais objetividade nas reuniões e a melhora na autogestão. O cofundador da empresa ressalta que alguns colaboradores passaram a administrar melhor as prioridades e a ajudar os demais para que as entregas fossem feitas em menos tempo, mas com a qualidade necessária. “Resultado é muito importante, como em qualquer organização, mas também olhamos para essas ações sabendo que produtividade não é tudo. Se em algum momento o retorno sobre o investimento for simplesmente em bem-estar, tudo bem. Para os colaboradores é importante ter uma quarta-feira para passar mais tempo com os filhos ou desenvolver um novo hobby”, pontua Diz.

                                                                   Mauro Pires

Outro benefício que a jornada reduzida traz, e que é pauta prioritária de RHs e executivos, é quanto à saúde mental. Estresse, burnout e a sensação de falta de tempo são problemas atuais em todo o mundo e demandam a atenção das empresas. “Indiretamente, podemos pensar em temas voltados à vida mais saudável por meio de prática de esportes e lazer. Tais medidas estão ligadas diretamente ao aumento da produtividade, um melhor ambiente de trabalho, redução de faltas e afastamentos”, afirma Mauro Pires, diretor regional de Contas Estratégicas da Korn Ferry Brasil. 

Pires menciona, também, que a agenda ESG (em português - meio ambiente, social e governança) presente nas grandes organizações pode associar a redução da jornada à possíveis benefícios ao meio ambiente. 

Bons exemplos globais

Se no Brasil a ideia de implementar a semana de quatro dias de trabalho vem, aos poucos, ganhando novos adeptos, é devido aos bons resultados que os projetos-pilotos de empresas de diversos países obtiveram. 

O Reino Unido, por exemplo, vem executando o maior teste já feito no mundo até o momento. O desenvolvimento do programa conta com a 4 Day Week Global (organização sem fins lucrativos), o think tank Autonomy (centro independente de pesquisas) e a Day Week UK Campaign, em parceria com professores da Universidade de Oxford e Cambridge, bem como do Boston College, nos EUA. Juntos, eles pesquisam 70 empresas de diferentes segmentos e 3.300 funcionários. Durante seis meses, os colaboradores vão receber 100% do salário e trabalhar 80% da jornada, no intuito de testar se a produtividade permanece em 100%.

Mapeamentos semelhantes estão sendo feitos na Irlanda, Estados Unidos, Canadá, Espanha e, mais recentemente, em Portugal. Na Bélgica, além da adesão definitiva ao novo modelo de trabalho, os funcionários têm o direito de se desconectar dos dispositivos de trabalho, sem qualquer ônus.

Já na na Islândia, o teste ocorreu entre 2015 e 2019, com 2.500 profissionais do setor público. A jornada foi reduzida de 40 horas semanais para 35 ou 36 horas, conforme o cargo. Depois desse tempo, os resultados mostraram que o bem-estar dos trabalhadores melhorou, os processos foram otimizados e a produtividade permaneceu igual ou até melhor.

Na Nova Zelândia, a Unilever, multinacional de alimentos e produtos farmacêuticos, aderiu ao experimento em dezembro de 2020 e continua em fase de teste. E no Japão, em agosto de 2019, a Microsoft testou a nova jornada e o resultado foi um aumento de 40% em sua produtividade.  

Por aqui, as companhias que aderiram ao novo padrão já estão obtendo seus primeiros resultados. A NovaHaus, por exemplo, identificou um crescimento de 16% em sua produtividade e os resultados da pesquisa de satisfação interna também surpreenderam, alega o CEO. Para Larissa Hamuy, animadora 2D da empresa, ter a quarta-feira livre não é só ter um dia de folga na semana. “É tirar um dia para cuidar de si, espairecer a mente ou simplesmente ir tomar um cafezinho com os amigos. É um olhar humano entre empresa e funcionário, que beneficia ambos. A quebra de rotina faz com que eu me sinta mais descansada e seja mais produtiva”, avalia.

  Thadeu Diz

Desvantagens

Dada a complexidade de alguns setores, o diretor da Korn Ferry acredita que, em um primeiro momento, a adoção deste novo formato de trabalho não é viável para todas as áreas. Algumas delas, como logística, produção e laboratórios, necessitam do trabalho presencial ou de uma frequência maior do que quatro dias na semana. “Precisamos analisar caso a caso, olhar por diferentes aspectos e medir todos os impactos que existem na adesão deste novo modelo para as empresas, colaboradores e clientes”, ressalta.

Questionado se havia identificado algum ponto negativo no desempenho da organização por conta deste dia a menos na jornada, o CEO da Zee.Dog afirma que não houve nenhuma desvantagem e que o formato funcionou muito bem desde o início da implantação.

Já na NovaHaus, a diminuição de 20% na carga horária impactou em uma queda de 7% na entrega das tarefas. “Mesmo que o resultado da produtividade seja proporcionalmente maior do que antes, o fato do número de tarefas entregues ser menor pode ser considerado um ponto negativo”, explica Silva.

Para suprir a queda na entrega, a empresa fez novas contratações, o que, do ponto de vista financeiro, pode ter gerado mais gastos. “Ainda não mensuramos se a redução dos custos da rotatividade foi maior e suficiente para suprir os das novas contratações. Estamos avaliando, mas há indícios de ganho financeiro”, esclarece.

Como ficam os clientes?

Com a carga de trabalho reduzida, as empresas precisaram repensar como fariam para não comprometer o atendimento do seu cliente, afinal, a jornada deles, até o momento, permanece a mesma. A solução encontrada na Zee.Dog foi a de evitar ao máximo reuniões e compromissos nos dias off, abrindo exceções em casos urgentes. 

Já os colaboradores do atendimento ao cliente na NovaHaus contam com outro tipo de redução, ou seja, eles trabalham menos horas, mas cinco dias por semana. No caso dos profissionais técnicos, há plantões ou troca da jornada por outro dia da semana. “Apenas 18% do time foram impactados com plantões, substituições do dia não trabalhado ou redução diária”, esclarece o CEO.

4 dias on: tendência no Brasil?

Na opinião do diretor da Korn Ferry ainda é cedo para afirmar que a jornada semanal de quatro dias úteis será tendência no Brasil, já que se trata de um País com dimensões continentais, que abriga uma vasta diversificação de setores, diferentes características de mão de obra e temas culturais, além de leis trabalhistas e acordos sindicais que precisam de um tratamento especial. “Por outro lado, não podemos negar os resultados positivos que a maioria das empresas brasileiras e internacionais vêm alcançando com esse novo formato de trabalho”, diz Pires. 

Como toda grande mudança, as fases de adaptação e ajustes se fazem necessárias.  E, nesse caso, para que a construção do novo padrão de trabalho evolua, o ideal é que ele seja feito a quatro mãos, ou seja, entre liderança e colaboradores, pois, no final, o interesse em dar certo é benéfico a todos. 

“O que podemos afirmar é que estamos passando por um momento de transformação digital, acelerado pela pandemia, e novos formatos de trabalho serão cada vez mais comuns. O futuro demandará das empresas muita flexibilidade, diversidade e novas skills”, conclui Pires.





Revista Administrador Profissional - ADM PRO
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