Elas no varejo - CRA-SP
Faça download do App |
Elas no varejo

As mulheres, aos poucos, vão conquistando espaço nos altos cargos do setor que, assim como os demais, ainda são predominantemente ocupados pelos  homens

A participação da mulher no mercado de trabalho vem crescendo exponencialmente nas últimas décadas, porém sua ascensão ao topo das empresas ainda é um desafio. Assim como nos demais setores, nos quais os cargos mais relevantes são ocupados predominantemente pelos homens, o de varejo não foge à regra. Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Mulheres do Varejo - IMDV, aproximadamente metade dos profissionais do comércio são mulheres, contudo, elas ocupam apenas 16% dos cargos de liderança.

Por ser uma área muito masculina e machista, as mulheres encontram inúmeras barreiras ao buscarem seu crescimento no setor. Entre elas estão o preconceito ao engravidar, a dificuldade de se recolocar no mercado depois que se tornam mães, a necessidade de mostrar muito mais trabalho que o homem e de desenvolver um estilo de liderança mais masculino, conforme aponta estudo desenvolvido pelo IMDV (veja mais detalhes abaixo).

“Muitas vezes elas têm de falar mais alto e acabam se masculinizando para fazer parte das negociações. Além disso, o preconceito com a maternidade existe muito antes de a mulher engravidar. Há inúmeros relatos de profissionais que dizem ter sido questionadas durante a entrevista de emprego sobre suas expectativas em relação à maternidade. Situação que não ocorre quando os homens são entrevistados”, explica a presidente interina do IMDV, Sandra Takata.

  Mayra Cardozo

Para transpor as dificuldades e conquistar respeito e espaço de liderança na área, a advogada especialista em Direitos Humanos, mentora de Feminismo e Inclusão e coach de empoderamento, Mayra Cardozo, sugere que o ideal é não deixar se intimidar. “É preciso combater essas formas de opressão, denunciar, questionar e militar. As mulheres que atuam no alto escalão devem usar seu privilégio para trabalhar e construir espaços mais inclusivos”, diz.

Vencendo as adversidades

Na trajetória de Mônica Orcioli, as situações desafiadoras também estiveram presentes. Por anos, ela atuou na direção de grandes companhias de varejo, como a Swarovski e a Aliansce Shopping Center, e revela ter enfrentado dificuldades e preconceitos no mundo corporativo. Com base em sua experiência, ela acredita que para que outras mulheres também ocupem cargos de destaque no setor é fundamental que haja a realização de atitudes propositivas, num movimento constante, que incentivem a inserção das mulheres no mercado de trabalho desde o início da carreira. “Outro aspecto importante é a conscientização. Para que esta igualdade seja cada vez mais real é preciso também um esforço dos homens e isso vale tanto para o mundo corporativo como para a vida pessoal, pois dentro de casa o apoio da família é essencial para criar uma rede que permita à mulher desenvolver-se e progredir profissionalmente”, afirma. 

Mônica considera que o diferencial que a levou aos altos cargos no varejo foi justamente o fato de não focar nas dificuldades que poderiam surgir pelo fato de ser mulher, mas se concentrar no seu desenvolvimento profissional. “Desde sempre me dediquei com afinco aos estudos e a todos os meus projetos nacionais e internacionais, estando atenta, aproveitando e sendo grata a todas as oportunidades que surgiram. Essa é uma vivência que eu gosto de compartilhar, pois infelizmente, na vida, as pessoas sofrem preconceitos independente de gênero, etnia ou profissão. Por isso, entendo que preservar atitudes positivas e esforçar-se para não se abater diante dessas manifestações são o caminho para, aos poucos, transformar essas ações”, enfatiza.

A postura firme e o desejo de contribuir efetivamente para o desenvolvimento das corporações em que trabalhou levou Mônica ao título de uma das mulheres mais poderosas do Brasil pela Revista Forbes, em 2017. Recentemente, ela encarou uma transição de carreira do setor varejista para a área educacional, tornando-se diretora-executiva da Ânima Educação e reitora das universidades Anhembi Morumbi e São Judas.

Equidade e inclusão da mulher

Foi para capacitar ainda mais as mulheres e ajudar o ecossistema do varejo a mudar o mindset que em 2018 surgiu o IMDV, cujo propósito é “transformar o varejo num ambiente onde a mulher possa viver as suas escolhas”. Atualmente, o instituto conta com 300 executivas e busca ser referência na construção de uma nova onda do varejo, que se inspira na força das mulheres, das gestoras às shoppers, como decisoras e fomentadoras de ideias, network, negócios e empresas. 

                                                                  Sandra Takata

Sandra comenta que a questão de equidade nas organizações voltadas ao varejo ainda é muito incipiente. “Por isso criamos o instituto, pois é difícil sair da zona de conforto. Muitas coisas estão no modo automático, mas precisam de mudanças.”

Uma forma de alterar esse cenário, na opinião de Mayra, é adotar medidas relacionadas ao poder público, como a nova lei de licitações, que estabelece, em seu art. 60, que em caso de empate de propostas para a contratação com a área pública, fica estabelecido como medida de desempate o desenvolvimento pelo licitante de ações de equidade entre homens e mulheres no ambiente de trabalho. “A implementação de cotas de gênero e incentivos fiscais também são medidas úteis e importantes”, complementa a coach. 

Mayra afirma, ainda, que as organizações que veem com certo receio a ascensão feminina em cargos de gestão precisam rever seus conceitos, pois o mundo está se mobilizando e as empresas estão sendo colocadas como um dos principais protagonistas para a garantia de direitos humanos e justiça social. Prova disso é que, atualmente, já se podem ver algumas sanções midiáticas ou jurídicas para aquelas que não observam e não valorizam essas questões. “Cada vez mais, a ideia de existir um compliance de direitos humanos nas instituições é uma realidade. O consumidor das novas gerações não tolera mais empresas não inclusivas. Ou elas acompanham a evolução da sociedade ou vão perder espaço no mercado”, orienta Mayra. 

No setor de varejo, em especial, a mulher tem um importante papel sobre as decisões de compra. “Tê-las na liderança é um caminho praticamente óbvio. Ainda há muito espaço para o crescimento da presença de mulheres na gestão dessas organizações varejistas”, completa Mônica.

Além da disparidade nos cargos, outro ponto que está longe de haver equidade é em relação aos salários. De acordo com uma pesquisa do Global Gender Gap Report 2021, que analisa 156 países, vai levar 267,6 anos para que as mulheres recebam o mesmo salário que os homens. Já um estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE sobre “Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres do Brasil 2021”, revelou que elas ganham até 23% a menos que eles. Quando a comparação é feita nos cargos de liderança, a diferença é ainda maior: o salário delas é 34,7% menor que o dos homens.

Difícil, porém possível

Embora a representatividade feminina nos altos cargos no varejo seja pequena, há aquelas que chegam ao topo e fazem história. Além de Mônica, outro bom exemplo é a CEO do Magazine Luiza, Luiza Helena Trajano, uma das maiores redes varejistas do Brasil. Para a presidente interina do IMDV, as mulheres que conquistaram esse espaço de liderança enfrentaram vários desafios, pois não tiveram ninguém para se espelhar. 

“Elas foram muito desbravadoras e mostraram mais trabalho. Muitas levaram a humanização para as corporações e deixaram bem claro alguns pontos, como sair para pegar os filhos na escola ou acompanhá-los em eventos importantes, por exemplo. Até porque, o que importa é o que elas entregam no dia a dia. Outra questão é o posicionamento. Ele transforma. As mulheres da próxima geração não vão mais aguentar piadinhas ou cantadas e as empresas têm de estar preparadas para não perder talentos”, comenta Sandra.

  Mônica Orcioli

Por mais que haja inúmeros percalços ao longo da jornada é possível, sim, conquistar o alto escalão das corporações. Entretanto, Mônica aconselha que antes de querer ser líder é preciso um trabalho intenso, de colocar a mão na massa e entender-se no lugar do outro, capacitando-se técnica e emocionalmente. “Não acredito em queimar etapas e sim no trabalho e preparo profundo. Com tudo isso, a liderança, se vier, será uma consequência da trajetória trilhada”, conclui.

Principais desafios das mulheres no varejo

Para entender o papel da mulher e da liderança feminina no setor, o IMDV realizou algumas pesquisas para mapear quais eram os pontos de melhoria ou de oportunidades para mudar o cenário atual. Com isso, os estudos identificaram três grandes desafios vividos atualmente: 

Liderança machista

  • Mais de 80% das mulheres ouvidas disseram que o nível de esforço para alcançar cargos de direção é muito alto. Porém, somente 47% dos homens acreditam que elas precisam se esforçar em dobro para mostrar seu talento;

  • 62% delas declararam que não estão satisfeitas na sua relação profissional com os homens;

  • 64% das mulheres afirmaram que para alcançar os cargos mais altos da organização é necessário desenvolver um estilo de liderança mais masculino. No entanto, 66% dos homens disseram que isso é mito.

Jornada de trabalho contínua

  • Com a pandemia, a nova rotina tem sido difícil para as mulheres: dois terços delas não se sentem confortáveis e apresentam dificuldades de conciliar o trabalho com as tarefas domésticas. Entretanto, metade dos homens acha que elas estão dando conta.

Maternidade

  • 84% das mulheres e 79% dos homens afirmaram que as profissionais sofrem preconceito no mundo corporativo quando engravidam;

  • 73% das mulheres disseram que existe mais dificuldade para se recolocar no mercado depois da maternidade e 65% dos homens entrevistados concordaram;

  • 49% das mulheres acreditam que engravidar atrasa a carreira.

Fonte: Instituto Mulheres no Varejo. As pesquisas ouviram 107 mulheres e 77 homens, todos executivos do setor varejista. 





Revista Administrador Profissional - ADM PRO
Publicação física com periodicidade trimestral
Conteúdo produzido pelo Departamento de Comunicação do CRA-SP
Todos os direitos reservados