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Precisamos falar mais sobre a maternidade dentro das empresas

Com o receio de ficar fora do mercado, muitas mulheres adiam ou mesmo desistem da ideia de se tornarem mães. Dentre as profissionais que optam por ter filho, metade delas são demitidas no retorno da licença-maternidade, revela pesquisa

Há mais de um século, o Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, é visto como um momento de reflexão sobre a luta feminina por igualdade, respeito e melhores condições de trabalho e de vida. Apesar dos direitos e das mudanças já conquistadas pelas profissionais no mercado, ainda há muitos desafios pela frente, entre eles, o de lidar com o preconceito e a desconfiança dos empregadores pelo simples fato de decidirem realizar um desejo genuíno: ser mãe.

Um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) realizado em 2017, com 247 mil mulheres, entre 25 e 35 anos, apontou que, após dois anos, metade das profissionais que saíram de licença-maternidade são demitidas. A maior parte desses desligamentos se dá sem justa causa e por iniciativa do empregador.

Foto de Regina Madalozzo

Regina Madalozzo 

Entre os motivos para a dispensa das profissionais ao se tornarem mães está a crença de que elas não servem mais para o trabalho. “Na volta da licença-maternidade, às vezes escutamos que durante o tempo em que a profissional esteve afastada muitas coisas foram alteradas e que o trabalho dela foi englobado por outra pessoa. Na verdade, sabemos que existe uma desconfiança de que talvez ela não seja mais produtiva. É uma crença irreal essa de que a mulher não é mais a mesma profissional de antes”, comenta Regina Madalozzo, economista, sócia da Moura Madalozzo Consultoria Econômica e pesquisadora de diversidade de gênero nas empresas.

O preconceito não assola apenas as mulheres que já são mães: ele ronda também aquelas que pretendem, um dia, realizar o desejo da maternidade. Nos processos seletivos, por exemplo, é muito comum que elas tenham que responder perguntas constrangedoras e, por vezes, eliminatórias. Segundo a pesquisa “Maternidade e Mercado de Trabalho”, feita pela VAGAS.com, com 863 profissionais mulheres, mais de 70% das respondentes afirmaram que foram questionadas em entrevistas se eram mães ou se tinham planos de ser e, na sequência, precisaram lidar com questões como “quem cuidará do seu filho se ele ficar doente?”.

Situações como essa aumentam a insegurança das mulheres em relação à maternidade, levando muitas a adiarem os planos ou mesmo a abrirem mão de ter um filho, em razão do medo de as portas se fecharem no retorno ao trabalho. Nesse ponto, inclusive, a pesquisa da Vagas revelou que 43% das participantes não cogitam aumentar a família, enquanto 70% delas disseram não querer ter filhos.

“As mulheres com um nível de escolaridade maior escolhem o momento de ter filhos, de modo que atrapalhe menos sua relação com o trabalho. Entretanto, muitas protelam a tal ponto que não conseguem ter esse filho depois. É muito pesado para elas ter que fazer essa escolha”, completa Regina.

Foto de Paola Massambane e sua filha

        Paola Massambane 

“Meu emprego sobreviveu à crise econômica, mas não suportou a maternidade”

O desabafo da advogada sênior Paola Massambane ganhou visibilidade no LinkedIn, plataforma de mídia social focada em negócios e emprego, e se uniu ao de centenas de outras profissionais que também vivenciaram a mesma situação nas empresas em que trabalhavam: a demissão no retorno da licença-maternidade.

Paola atuava na empresa há mais de dois anos na área de advocacia consultiva e corporativa. A vontade de ser mãe, no entanto, sempre esteve nos seus planos, mas em nenhum momento ela cogitou parar de trabalhar. Ao anunciar a gravidez na empresa, percebeu que alguns parabéns recebidos pela equipe foram bem “diplomáticos”. “Como trabalhávamos em home office, pouco perguntavam da minha gestação e, quando raramente ocorria, soava de forma superficial, como uma obrigação. Depois que comuniquei da gravidez, fui colocada de lado em algumas tomadas de decisões e reuniões das quais eu participava ativamente antes”, lembra a advogada.

Após os quatro meses de licença-maternidade e mais 15 dias de amamentação, a advogada estava cheia de planos e pronta para voltar. No entanto, 30 minutos após o seu retorno, foi desligada da empresa. “Nunca me deram um feedback do porquê decidiram me demitir, mas para mim ficou claro que a maternidade foi um problema para a organização. Sempre fui uma profissional com retornos positivos de colegas, gestores, clientes e empresas por onde passei. Então, o que mudaria agora, além de eu ser mãe de uma menina linda? Profissionalmente nada”, alega Paola.

Superado o baque da demissão, em janeiro deste ano, ela iniciou uma nova jornada profissional. “Se antes eu já era muito engajada, agora, multiplica por 100. Quero ser motivo de inspiração e orgulho para a Laís”, deseja Paola. 

Foto de Rebecca Cirino e sua filha

Rebecca Cirino 

20 dias após o retorno, a demissão

Um episódio parecido foi vivenciado pela publicitária Rebecca Cirino, que estava na empresa há um ano quando descobriu a gravidez. Em um primeiro momento, toda a equipe reagiu de forma positiva ao anúncio e, aos sete meses de gestação, ela foi promovida de cargo, assumindo uma nova área na organização. Pouco tempo depois, saiu de licença-maternidade e, durante os quatro meses, permaneceu em contato com a equipe, justamente para não voltar desatualizada sobre o que estava acontecendo.

Rebecca recorda que assim que voltou se sentiu insegura de não conseguir comparecer numa reunião 100% presente. “Como eu trabalhava de casa, a conciliação acontecia ali. Às vezes, era meio caótico porque a reunião coincidia com a hora que a Catarina queria mamar, então eu participava com a câmera fechada enquanto amamentava”, conta.

Seu esforço para aliar as responsabilidades profissionais com as de mãe foi pouco valorizado: vinte dias depois da sua volta foi demitida. "Às nove da manhã, tive uma reunião com o meu líder, que é pai de uma menininha pequena também. Tinha tido uma noite péssima, minha filha acordou várias vezes na madrugada e eu estava cansada. Logo no início, ele disse que a área que eu assumi não ia existir mais e que, por essa razão, eles estavam desligando várias pessoas, inclusive eu. Fui contar para o meu marido e desabei, me senti descartável”, relembra Rebecca.

Uma semana depois do ocorrido, a publicitária aceitou o convite de uma empresa para trabalhar remoto. Realocada no mercado, Rebecca decidiu usar a sua “voz” e também relatou sua experiência no LinkedIn. “Esperei um tempo, porque fiquei com receio de expor a situação, mas recebi muitas mensagens de apoio e ofertas de emprego”, conta.

Como mudar esse cenário nas organizações?

Na opinião de Regina, as empresas precisam rever a cultura e dar mais apoio às colaboradoras que pretendem engravidar ou que possuem filhos. “As organizações devem reconhecer que os homens e mulheres que ali trabalham são, antes de tudo, pessoas que têm uma vida fora da empresa. A conscientização, no entanto, precisa começar pela liderança. A partir disso, é necessário um plano muito estruturado de sensibilização e aceitação, de que a vida pessoal dos colaboradores inclui a gravidez e as licenças em si”, orienta.

Foto de Patrícia Mendonça

         Patrícia Mendonça 

Aos poucos, algumas empresas vêm estruturando novas políticas, que incluem o suporte pré e pós-gestacional. Tal mudança tem surpreendido muitas profissionais, como é o caso de Patrícia Mendonça, formada em Marketing e graduanda em Gestão de RH que, na contramão dos relatos negativos, foi contratada grávida.

No início de 2022, ela buscava uma nova oportunidade de profissional. Encontrou uma vaga, participou do processo seletivo e foi aprovada. Faltando apenas o envio da documentação, descobriu a gravidez. Antes de encaminhar os papéis, entrou em contato com a futura gestora e avisou sobre a gestação. “Fiquei surpresa com a forma como ela reagiu à notícia. Disse que nada mudaria quanto a minha contratação e que, inclusive, o CEO da empresa pediu para eu ficar tranquila que eles aguardavam por mim e pela bebê”, conta.

Desde então, Patrícia assumiu a função de analista de RH e a relação com os gestores se mantém saudável. “Conciliar a vida profissional com este momento especial tem sido melhor do que eu esperava. Atuo na área que gosto, cercada de colegas e gestores que trabalham de forma colaborativa e o fato de estar em home office dá a oportunidade de flexibilizar meus horários. Isso tem ajudado, principalmente agora no final da gestação, quando o físico e o emocional estão mais sensíveis”, relata.  

A analista espera que outras empresas comecem a ter essa mesma cultura de focar, de fato, em pessoas e que compreendam que a maternidade enriquece e traz novas possibilidades às mulheres. “Pesquisem por organizações que valorizem isso não apenas no discurso, mas que coloquem em prática a cultura da empatia e da humanização. Que essa seja a realidade para todas as profissionais”, deseja Patrícia. 

Foto de Keila Pasklan e sua filha

Keila Pasklan 

Outro bom exemplo é o da administradora Keila Pasklan, especialista em Gestão de Pessoas. Depois de três anos apoiando as áreas corporativas e comerciais da empresa, ela descobriu a gravidez. Desde o início, Keila teve apoio da equipe, além do respeito e comunicação transparente por parte da gestão. Nesse período, ainda participou de um processo seletivo interno e foi promovida. “A empresa fomenta a inclusão de todas as maneiras e estar grávida não foi um obstáculo, eles olharam para as minhas competências e para aquilo que estava construindo”, explica.

Com a chegada de Alana, a rotina da analista passou a ser mais cronometrada, respeitando os horários da bebê. “Tem dias mais leves e outros mais difíceis, mas quando você se organiza, tudo flui naturalmente. A carreira é importante, mas filhos trazem um amor inexplicável, aprendizado e uma dedicação sem limites”, conclui.

O que consta na lei

Regulamentada no Brasil em 1943, com a criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a licença-maternidade permite o afastamento de 120 dias. Nesse período, as mulheres que possuem carteira assinada ou que contribuem para a Previdência Social (INSS) por conta própria têm direito ao salário-maternidade. Em 2002, a lei 10.421 estendeu às mulheres que adotam seus filhos os mesmos direitos garantidos às mães biológicas. 

Algumas empresas, no entanto, vêm aderindo ao Programa Empresa Cidadã, que amplia o afastamento para 180 dias e a licença-paternidade de 5 para 20 dias. Com isso, o governo federal deduz do imposto o custo do empresário na prorrogação das duas licenças. Já a estabilidade da mulher é de cinco meses, após o parto ou a adoção. Na prática, depois do retorno dos 120 dias, a profissional fica mais um mês sem poder ser demitida.





Revista Administrador Profissional - ADM PRO
Publicação física com periodicidade trimestral
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