‘No mundo corporativo não basta ser bom, você tem que durar’ - CRA-SP
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‘No mundo corporativo não basta ser bom, você tem que durar’

Depois de atuar por mais de 15 anos como headhunter na Michael Page Brasil, Ricardo Basaglia, mais conhecido como Basa, tornou-se referência quando o assunto é contratação de líderes e formação de executivos de alta performance. E não é para menos: ao longo desse tempo, foram mais de 10 mil entrevistas e, com base em tudo que escutou, Basaglia compreendeu os principais fatores que levam às pessoas a uma carreira de sucesso, bem como o que as fazem parar de crescer. Toda essa experiência, inclusive, está compilada no seu livro, o best-seller "Lugar de Potência: Lições de carreira e liderança de mais de 10 mil entrevistas, cafés e reuniões".

Hoje, como CEO do PageGroup, o executivo lidera as operações da Michael Page, Page Personnel, Page Executive, Page Outsourcing e Page Interim no Brasil. Mestre em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas - FGV, com extensão em Behavioral Science of Management pela Universidade de Yale, Basaglia também é mentor do G4 Educação e compartilha diariamente dicas sobre carreira e liderança em suas redes sociais e no seu podcast, impactando mais de 3 milhões de pessoas por mês. Em entrevista à ADM PRO, Basaglia comenta sobre as habilidades e competências mais desejadas pelo mercado de trabalho, especialmente para os profissionais de Administração. Confira!

Revista ADM PRO - Com o mercado de trabalho cada vez mais competitivo, que fatores são essenciais para o profissional se destacar?

Ricardo Basaglia - Quando falamos em habilidades, gosto de trazer o conceito de “lugar de potência” que, na minha definição, é quando você cruza o melhor que tem para entregar para o mundo, com o que o mundo tem necessidade de consumir. Tenho comigo que dificilmente você vai ser feliz ou ter sucesso fora do seu lugar de potência. Porém, quando eu falo isso, a maior parte das pessoas talvez remeta ao conselho de carreira mais errado que receberam, que é escolher uma coisa e ser o melhor naquilo. Isso porque, das pessoas de sucesso que entrevisto, uma característica em comum é que elas não são as melhores em uma coisa, elas são acima da média em várias situações. Isso, para mim, é uma virada de chave importante. Gosto muito de uma passagem que foi escrita na biografia do Scott Adams, criador da história em quadrinhos Dilbert, sobre o mundo corporativo. Algo mais ou menos assim: “Eu sempre fui um bom desenhista, mas não a ponto de ser considerado um artista. Sempre fui uma pessoa engraçada, mas não a ponto de ser considerado um humorista. Sempre fui uma pessoa que conhecia muito do mundo corporativo, mas não a ponto de ser considerado um grande líder empresarial, mas quando eu reúno esses três elementos, eu conquisto um posicionamento que até hoje ninguém conseguiu alcançar”. Isso é lugar de potência. O mesmo vale quando as pessoas me perguntam: “Poxa, Basa, como você impacta quase 3 milhões de pessoas por mês? Qual é o seu diferencial?". E dou a mesma resposta: não sou a pessoa que mais estudou carreira e liderança no Brasil, não sou o profissional mais experiente como headhunter, não sou a pessoa que mais conhece de social e estou longe de ser o mais carismático, mas ao reunir esses quatro elementos eu conquistei o meu posicionamento. A forma mais fácil de ser aceito por um grupo é se parecendo com ele, mas a gente só se destaca por ser diferente. Então, esse é o grande elemento do mercado corporativo, a coragem de ser único, autêntico. Lembrando que ser autêntico não é falar tudo que pensa, quem faz isso é criança. Adulto autêntico é como você, dentro dos seus valores, consegue se posicionar por onde passa.

ADM PRO - Quais as principais competências e habilidades que as empresas têm procurado na hora de contratar um líder? 

Basaglia - De tudo o que venho estudando, o maior preditivo de sucesso hoje é o QA - coeficiente de adaptabilidade, ou seja, o quão flexível a gente é. Se você não for capaz de se adaptar, não vai conseguir estar preparado para o que vem pela frente. Então, não é o QI ou o conhecimento técnico que deixaram de ser importantes. Na verdade, o QI te faz entrar no jogo, o coeficiente emocional te mantém na partida, mas é a adaptabilidade que vai fazer você vencer o campeonato. Podemos destrinchar a adaptabilidade em algumas habilidades. A primeira delas é o poder de escuta. Se não escuta, não é capaz de ler o ambiente. A segunda é a resiliência, como podemos ser capazes de navegar por períodos difíceis. É importante dizer que, para quase todas as pessoas, antes de dar certo, vai dar errado várias vezes. E, em alguns momentos, você vai pensar em desistir, mas esse é o caminho para que você possa construir. Depois, a capacidade de aprender acaba sendo fundamental. E fecharia com discernimento, a capacidade de pegar a sua experiência e habilidades e cruzar com a tua leitura de cenário do que está acontecendo. Discernimento é a principal habilidade de um líder. Na medida em que é esperado que ele esteja sempre tomando decisões, discernimento é a base, é a matéria-prima para você escrever bons prompts no ChatGPT, no Bard ou qualquer outra ferramenta de inteligência artificial. Esses elementos dão pistas importantes do que vem pela frente.

ADM PRO - O que os recrutadores buscam nos profissionais de Administração? 

Basaglia - O primeiro elemento é que um administrador, como tudo na vida, tem o lado sombra e o lado luz. O lado luz é que a Administração dá uma possibilidade gigantesca de opções de carreira. Agora, o lado sombra, é que não é uma profissão como um advogado, pois na maior parte das empresas não existe um cargo com o nome “administrador”. Dentro dessa dinâmica, eu recomendaria para todos os administradores, primeiro, entender como querem se inserir. O segundo conselho que eu daria é: cuidado com essa abordagem de "meu trabalho é muito operacional, eu queria um mais estratégico". Se você está dizendo que quer algo que você só vai pensar e não colocar a mão na massa, você tem um problema. Além de serem poucos os trabalhos como esse, eles são extremamente disputados. A maior parte dos cargos, e estou falando de gerente, de diretor, de vice-presidente, é muita mão na massa e muito mais operacional do que todas as pessoas gostariam, então é o preço que se paga nessa construção. 

ADM PRO - Lidar com as multigerações em um mesmo ambiente é o novo desafio que muitas organizações estão enfrentando. Como você avalia esse cenário? Você acha que, de fato, o mercado tem sido hostil e preconceituoso com o profissional 50+?

Basaglia - Quando a gente fala de conflito de gerações é importante olhar o contexto da história. Uma frase que ficou bastante conhecida diz assim: “Não tenho mais nenhuma esperança na próxima geração. Eles são mal educados, não têm respeito, não se levantam quando uma pessoa de mais de idade chega. Não têm consideração pelo que foi construído”. Essa frase foi escrita por um filósofo grego há milênios. Isso mostra que esse tipo de conflito existe desde que o mundo é mundo e nele existem dois grupos: os provocadores e os provocados. Quando a gente é jovem, estamos no grupo dos provocadores. Se hoje você está se sentindo provocado, sinto-lhe informar, mas a idade bateu e você passou para o outro grupo. Outro elemento é a mudança na forma como a sociedade lida com expectativas. Olhando para a história, vemos que boa parte da sociedade foi construída com base na narrativa da postergação da felicidade. Isso chegou no início do século passado para as carreiras, quando se falava para os profissionais que não era importante gostar do emprego, bastava trabalhar, se aposentar e, quando isso acontecesse, aí sim você estaria usufruindo a vida. Hoje essa narrativa não cola mais. Primeiro que a gente não vai se aposentar,  vamos trabalhar por muito tempo. Depois, não quero ser feliz lá na frente, quero ser feliz agora. E quando a gente fala dos profissionais 50+, o Brasil tem um desafio. Historicamente, quando olhávamos a demografia, o Brasil era um país jovem e ficou um conceito forte no mercado de trabalho a respeito da contratação dos mais novos. Aliado a isso, existe um segundo desafio visto na maior parte das corporações, que é o tal do ter dado errado na carreira caso não tenha virado líder até os 30 e poucos anos. É um absurdo falar isso. Daí a importância de ter as carreiras em Y (plano no qual o profissional decide se quer seguir em um cargo gerencial ou se tornar um especialista técnico), porque isso contribui muito para manter essas pessoas com mais experiência. Mas esse ainda é um mundo que, definitivamente, ainda tem bastante a evoluir. 

ADM PRO - Um medo atual que aflige muitos profissionais é o de perder o emprego para a inteligência artificial (IA).  Como você avalia o impacto das novas tecnologias no mercado de trabalho?

Basaglia - Uma máxima que ficou bastante conhecida é que a inteligência artificial não vai substituir todos os profissionais, mas sim aqueles que não aprenderem e não tirarem o máximo dela, pois serão substituídos por outros profissionais que fazem um bom uso de IA. Estima-se que a gente deva ter, pelo menos, de quatro a seis carreiras ao longo da vida, com toda a evolução que estamos vivendo. Eu acredito que a tecnologia pode substituir o emprego, mas não o trabalho. Trabalho sempre vai existir. O mundo se transforma, as empresas se adaptam e existe a necessidade de alguém desempenhar aquela atividade. Mas os empregos, da forma como são configurados, se tornarão desnecessários.


ADM PRO - Por que você achou importante fazer um mestrado em Administração?

Basaglia – Quando olhei para a minha formação antes do mestrado, vi que ela tinha sido puramente técnica. Formação em tecnologia, pós-graduação em Análise de Sistemas orientada a objetos. Eu já era um diretor-executivo aqui na Michael Page, então tive a oportunidade de ter um crescimento orgânico passo a passo, e sentia que me faltava fundamentos de gestão mais sólidos, para que eu pudesse desempenhar melhor o meu papel. Busquei o  Mestrado Profissional em Administração (MPA) na FGV, que é aquele tipo de curso que você faz e entende porque é importante fazer antes de ter filho, porque depois é difícil. A carga de leitura é muito grande. Mas depois você percebe o quanto esses fundamentos te ajudam a construir muito do que você usa no dia a dia. Talvez uma das perguntas que eu mais gosto de fazer em sala de entrevista seja a seguinte: “o que você aprendeu nos últimos 12 meses que hoje é um diferencial na sua carreira?”. Se você está com dificuldade de responder, sinto muito, você está ficando para trás, pois esse aprendizado contínuo é fundamental num mundo que muda tão rápido.

ADM PRO - De que forma um profissional pode alinhar seu propósito de vida com a sua carreira profissional? 

Basaglia - Acredito que não existe equilíbrio de vida, isso é uma busca eterna. Até porque os pesos não são iguais, ora você está com um desafio maior na empresa, ora com um desafio maior em casa, então não acredito em um equilíbrio, em que tudo está redondinho. A gente precisa buscar estar bem em vários elementos da vida, para ter diversas fontes de energia. Se o trabalho for sua única fonte, quando houver um problema, você não vai ter de onde tirar essa energia. Por isso, tenha sim um trabalho legal, mas tenha hobbies, tempo com a família, amigos, esportes, enfim, a oportunidade de ter várias fontes para se energizar, porque quando uma for mal, você terá outras para buscar.

ADM PRO - Qual aprendizado na jornada profissional você segue à risca e compartilha para que as pessoas também cresçam tanto pessoal quanto profissionalmente? 

Basaglia - O que aprendi ao longo do tempo é que no mundo corporativo não basta ser bom, você tem que durar. Não é uma corrida de 100 metros, é uma maratona. Então, cuide de você, beba água, durma bem, se alimente bem, faça exercício e medite para que possa ter longevidade. Isso não é dica de guru indiano que fica em cima da montanha, mas sim de artigos de Harvard que vêm falando justamente sobre a importância de, antes de cuidarmos da empresa ou do time, cuidarmos da gente. Esse é um fator fundamental.


Assista à entrevista completa com Ricardo Basaglia, CEO do PageGroup Brasil, no Canal A Serviço da Administração, no YouTube (vídeo abaixo). 




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