“A boa política faz parte da gestão pública” - CRA-SP
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“A boa política faz parte da gestão pública”

Adm. Felício Ramuth, atual vice-governador do Estado de São Paulo, comenta sua vida política, fala sobre os novos desafios deste ano e explica como a formação em Administração o ajudou durante sua trajetória 

Foi atrás do balcão do comércio da família, em São José dos Campos, que Felício Ramuth, aos 23 anos, deu seus primeiros passos rumo à política. Sua expertise para lidar com o público, somada à formação em Administração e à especialização em Gestão Pública pela FGV, contribuiu positivamente na sua gestão como prefeito nessa mesma cidade, entre 2017 e 2022, levando-o a obter 82% de aprovação, entre bom, ótimo e regular, quando deixou o município.

No início deste ano, porém, Ramuth (que é registrado no CRA-SP sob nº 124.968) assumiu uma nova missão na gestão pública: a de vice-governador do Estado de São Paulo. Entre as muitas atribuições que lhe compete, o administrador foi designado pelo governador, Tarcísio de Freitas, para coordenar as ações que visam enfrentar o problema da Cracolândia. Em um bate-papo exclusivo com a Revista ADM PRO, no Palácio dos Bandeirantes, ele falou sobre o diferencial desse projeto em relação aos anteriores, os desafios de atender às variadas necessidades da população e, ainda, trouxe importantes dicas para os administradores que desejam ingressar no setor público. Confira!

Revista ADM PRO - O senhor foi prefeito da cidade de São José dos Campos entre 2017 e 2022. Quais ensinamentos ou exemplos municipais da sua gestão o senhor pretende trazer para o debate no estado, enquanto vice-governador de São Paulo? 

Felício Ramuth - São José dos Campos é a primeira cidade inteligente do Brasil. Somente 72 municípios do mundo têm a certificação internacional pelas normas da ABNT, baseada nas ISOs 37.120/17, 37.122 e 37.123, de cidade resiliente, sustentável e com qualidade de vida. São mais de 270 indicadores que fazem com que o município seja considerado uma cidade inteligente. Mas o que é isso, afinal? Eu gosto de pegar parte desse nome: inteli-gente, e é a parte da ‘gente’ a mais importante. É uma cidade que cuida de suas pessoas e reverte os impostos em prestação de serviços. Esse conceito tem que ser o mesmo para o estado, afinal, ele tem que prestar melhores serviços ao cidadão. Então, precisamos levar boas iniciativas, não só de São José dos Campos, mas de muitas outras cidades, para que possamos aprimorar o que temos no estado. Por exemplo, o monitoramento por satélite, que pode ajudar a evitar invasões de áreas de proteção ambiental e desmatamento. Na área de segurança pública, a inteligência de câmeras com reconhecimento facial e leitores de placa. O importante é isso: reverter os impostos em melhores serviços e, também,  estender a mão às pessoas que mais precisam, por meio de ações na área social. 

ADM PRO - Recentemente, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, designou o senhor como coordenador das ações que visam enfrentar o problema da Cracolândia. Qual o diferencial deste novo projeto e como ele pretende acabar ou, pelo menos, minimizar essas questões, que já foram alvo de iniciativas anteriores, sem sucesso?

Ramuth - Como gestor público é uma honra ter sido escolhido pelo governador para coordenar esse programa. Ele falou muito ao longo da sua campanha que o estado não abriria mão de participar. Seria simples ele lavar a mão e dizer: "olha, isso é um problema do município”.  Mas não, o estado pode e deve ajudar e, pra isso, ele pediu que eu coordenasse as ações e também fizesse a integração com o município, onde temos o Edson Aparecido, que é secretário municipal. E um dos pontos que diferem dos trabalhos anteriores é justamente essa integração, o primeiro dentro dos serviços do próprio estado. Como vice-governador, não sou dono de uma pasta específica e, por isso, consigo fazer esse trabalho de coordenação e de integração. Pela primeira vez, o governador Tarcísio e o prefeito Ricardo Nunes se unem para trazer operações integradas e com uma grande conjunção de informações e dados. Nosso programa escutou muita gente e costumo dizer que se juntarmos três especialistas nessa área, vamos ter cinco opiniões diferentes. Ouvimos diversas matizes ideológicas, enfim, todas as linhas de cuidado para criar um programa baseado naquilo que era comum em todas elas. Então, a primeira diretriz é a abordagem qualificada. O estado vai contratar 200 pessoas especialistas em dependência química para abordar aqueles usuários dentro das cenas abertas de uso. Segundo uma pesquisa da UNIFESP, 45% da população têm o desejo de sair dali e algumas ações levam a entender que eles serão o primeiro público que atenderemos. A segunda diretriz é uma oferta ampla de acolhimento, oferecendo vários tipos de cuidados: os CAPS; os acolhimentos em comunidades terapêuticas; os grupos de ajuda mútua, como o Narcóticos Anônimos, a ONG Amor-Exigente (AE) e os Alcoólicos Anônimos; além da internação em hospital geral e a desintoxicação para aqueles que estão numa situação mais grave. Entendemos, também, que cada um tem a sua história. Para um usuário, por exemplo, a aproximação com a família ajudaria no tratamento. Para outro, no entanto, isso pode ser ruim, porque talvez a situação que ele se encontra seja fruto de uma família desestruturada e isso não é um bom caminho para seguir no seu acolhimento e tratamento. Então, temos que tratar cada um com a sua individualidade. A terceira diretriz é a integração de sistemas e de informação entre estado e município. Hoje, tem muita gente fazendo coisas boas na região central da cidade para esses usuários, como a igreja católica, a evangélica, a própria prefeitura, o estado e outras entidades. Mas é como se cada um estivesse gastando energia e remando numa direção diferente. Queremos deixar essas vaidades de lado, colocar todo mundo no mesmo barco e remar numa única direção. E a quarta diretriz é a atualização do Cadastro Único, que é o cadastramento dos usuários das cenas abertas de uso, isso porque não é incomum vermos mães vindo do Brasil inteiro procurar seus filhos ali, sem qualquer tipo de cadastro. Elas têm que apelar para o traficante para perguntar se o filho está ou não dentro da cena aberta de uso. Precisamos mudar essa realidade e fazer um serviço também para essas mães. Essas quatro diretrizes fazem com que o programa, desta vez, seja diferente e nos dá a expectativa de um resultado muito melhor do que os anteriores. 

Vice-governador de São Paulo  

ADM PRO - Além dessa designação específica, o vice-governador tem outras responsabilidades na gestão, que muita gente desconhece. O senhor pode falar um pouco mais sobre elas? 

Ramuth - Fui nomeado pelo governador como o presidente do Comitê do Conselho de Desestatização, que vai discutir as PPPs (parcerias público-privadas), as novas concessões e as privatizações. Neste projeto vou atuar junto com o secretário de parcerias e investimentos, Rafael Benini, e com os secretários das pastas que demandam esse esforço. A [pasta de] educação, por exemplo, tem o objetivo de fazer uma PPP para manutenção das escolas e isso passa por esse Comitê. Em março, também vamos ter a licitação do Rodoanel Norte, uma obra que está há mais de 30 anos em andamento. Outro ponto neste projeto é o Trem Intercidades, transporte de passageiros de média velocidade que ligará São Paulo à Campinas, e que, até o final do ano, vai ter publicado o seu edital para virar realidade. Além disso, temos ainda ações como a da privatização da Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae), e os estudos para privatização da Sabesp, caso apontem que este é o melhor caminho. Como outras funções do cargo, eu ainda represento o governador em eventos ou compromissos nos quais ele não pode estar e o substituo quando ele viaja. Em janeiro, por exemplo, o Tarcísio esteve em Davos, na Suíça, e eu assumi. Fui governador em exercício por uma semana. Essas são algumas das missões que o vice-governador está à disposição para trabalhar em conjunto com o governador e os secretários para melhoria dos serviços no estado de São Paulo. 

ADM PRO - São Paulo é o estado mais rico e diverso do Brasil, com imigrantes de vários países e brasileiros que deixam suas regiões para viver aqui. Quais desafios essa diversidade traz para a gestão pública, no sentido de atender diferentes necessidades da população?

Ramuth - O PIB do estado de São Paulo é o 21º do mundo e isso aumenta a nossa responsabilidade. Acho que a diversidade, ao invés de ser uma dificuldade, é uma grande oportunidade. O nosso estado, por atrair várias pessoas do Brasil e do mundo para cá,  pode aproveitar todo esse caldo de cultura, de conhecimento e fazer melhor. Somos um estado receptivo, que precisa se preparar para oferecer serviços e acolhimento para aqueles que necessitam

ADM PRO - O senhor é graduado em Administração e possui MBA em Gestão Pública pela FGV. Como surgiu o seu interesse pela área pública e como a sua formação lhe ajuda no dia a dia? 

Ramuth - Venho da iniciativa privada, do comércio e, aos 23 anos, em 1994, eu estava no balcão da minha loja. A Administração, sem dúvida, ajudou na gestão pública, mas o comércio também, com a capacidade de escutar e de estar lá, no olho no olho. No balcão da loja, você recebe de tudo, é mais ou menos igual na política: tem que atender todos os tipos de pessoas, saber escutar e depois oferecer um bom serviço ou produto, no caso do comerciante. A minha experiência política começou em 93, no balcão da loja, quando tivemos o plebiscito sobre parlamentarismo, presidencialismo e monarquia. Um cliente, marceneiro, me convidou para discutir sobre isso. Eu não fazia a mínima ideia da diferença dos três e fui frequentar um local que era um partido político. Ali acabei me filiando, me interessando, pois eram pessoas que queriam fazer política de um jeito diferente. Anos se passaram e tive a oportunidade de ser secretário municipal de transportes, presidente da Urban, empresa de economia mista que hoje tem por volta de dois mil funcionários, em São José dos Campos, e depois veio a oportunidade de ser candidato a prefeito pela primeira vez. Eu nunca tinha sido candidato a nada, nem a síndico de prédio (risos). Ganhei a eleição no primeiro turno, fui reeleito e, agora, sou vice-governador ao lado do Tarcísio. A administração pública contribuiu muito ao longo desses anos, eu citaria a capacidade do curso de Administração de ser multidisciplinar. Aprendemos um pouco de contabilidade, acompanhamento de projetos e a lidar com pessoas, na área de recursos humanos. Esse desenho multifacetado do curso ajudou para que eu pudesse, ao longo da minha gestão como prefeito, ter acertado mais do que errado, e ter o reconhecimento da população, como um prefeito que contribuiu para o futuro da cidade. 

ADM PRO - A burocracia da área pública é sempre muito citada quando se fala da morosidade dos projetos, principalmente em relação ao setor privado. É possível transformar esse cenário? O que falta para que as duas áreas, pública e privada, sejam equivalentes em termos de desempenho?

Felício Ramuth - Em primeiro lugar são interessantes os marcos legais. Infelizmente, as leis não andam com a mesma velocidade que o mercado, a tecnologia e a própria inovação. As leis, às vezes, travam iniciativas que podem ser boas para as cidades e o estado. Depois, o que difere também são os órgãos de controle. O estado, por exemplo, têm o Tribunal de Contas do Estado, o Ministério Público, a Defensoria Pública, e na iniciativa privada isso não acontece. Além disso, na prestação de contas à sociedade, no setor privado, há o ESG e outras iniciativas de transparência, o que não se compara à satisfação que é dada ao eleitor e à população de forma geral. Então tem que ter esse contato constante, a escuta precisa ser ainda maior do que na iniciativa privada. O ideal seria vivermos em um país onde as práticas virassem lei e não as leis terem que virar prática. É por isso que vemos leis que não dão certo e isso é muito ruim. Então, os órgãos de controle e os marcos legais contribuem. Há também as responsabilizações, uma vez que os servidores ficam com medo de assinar algo e depois serem responsabilizados por conta da sua assinatura, muitas vezes com seu patrimônio pessoal, em alguma ação que pode ter sido feita por erro administrativo e não má fé. Isso também acaba travando a gestão pública. Por isso, o gestor tem que ser inovador e, acima de tudo, corajoso para poder tomar iniciativas. 


ADM PRO - A administração pública é um dos grandes setores de atuação dos administradores, entretanto ainda vemos muitos cargos públicos ocupados por outras formações. O senhor acredita que o ingresso de profissionais devidamente habilitados e qualificados como administradores e gestores é importante para a performance da gestão pública?

Ramuth - Sem dúvida. Eles contribuem muito para a gestão pública, assim como outras profissões. Temos oportunidades na gestão e, cada vez mais, os cargos são mais genéricos do ponto de vista de formação. O administrador bem preparado pode fazer concursos ou até mesmo se aproximar da administração pública por meio de cargos de confiança ou comissionados, que também cumprem um bom papel. Tive a oportunidade de trazer muitos jovens administradores ou profissionais das mais variadas áreas, que tinham esse feeling: qualidade técnica e sensibilidade política, que também faz toda a diferença nos cargos dentro da gestão pública.

ADM PRO - Quais conselhos o senhor dá para os administradores que desejam ingressar no setor público?

Ramuth - O administrador, na minha opinião, tem que ser um bom observador em qualquer área e, no setor público, mais ainda. Ler muito e entender a administração não como um jogo político, mas, sim, a boa política que faz parte da gestão pública. Aquela do olho no olho, do saber escutar, de cuidar bem dos recursos públicos. Ter a capacidade de conseguir aglutinar informações, ler vários lados ideológicos para entender as abordagens de uma determinada ideologia, seja ela mais à direita ou mais à esquerda. E como gestor, que ele possa escutar as pessoas e oferecer aquilo que, às vezes, elas nem sabem que querem. Essa é a grande mágica da gestão pública, a capacidade de escutar muitas frentes e tomar uma atitude que seja boa para o cidadão, seja por meio de um bom serviço ou de uma obra de infraestrutura que vai ajudá-lo no futuro. Então, essa é a missão do gestor e consequentemente, no meu caso, do administrador público. 



Revista Administrador Profissional - ADM PRO
Publicação física com periodicidade trimestral
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