Um breve ensaio sobre o reajuste do piso dos professores da educação básica da rede pública
Provavelmente a expressão “entre a cruz e a espada” remonta à situação vivida por Jesus Cristo no momento em que teve de escolher entre enfrentar as espadas dos soldados romanos ou aceitar a crucificação.
Utilizando-se deste acontecimento como uma metáfora, conseguimos notar uma grande semelhança com a atual situação dos prefeitos brasileiros, divididos entre implantar o piso nacional estipulado para os professores da educação básica da rede pública ou preservar a responsabilidade fiscal.
Enquanto a legislação recentemente aprovada prevê a obrigação de que R$ 3.845,63 seja o valor mínimo a ser pago para os professores, uma lei um pouco mais antiga prevê que o gestor municipal é proibido de gastar mais de 54% de suas receitas correntes líquidas (RCL) com pessoal (recursos humanos), incluídos nessa conta os ativos, inativos e pensionistas. É a chama Lei de Responsabilidade Fiscal nº 101/2000.
Sob a mira afiada da espada que promete cortar o gestor que não agir com responsabilidade, agora o prefeito, caso escolha por se render à cruz, ganhará um complemento no fardo de exatamente R$ 959,39 para cada professor em início de carreira.
E caso a escolha seja realmente pela cruz, esses gestores estão fadados a suportar uma coroa de espinhos correspondente às consequências de conceder um aumento exclusivo para o piso dos professores, desprezando que na hierarquia da rede de ensino existe o pessoal da limpeza, merendeiras, secretárias, coordenadores e diretores. Isso sem contar que a prefeitura não se resume à secretaria de educação.
Em janeiro de 2021, na prefeitura de Catanduva/SP, uma merendeira em início de carreira possuía vencimento de R$ 1.408,09 e um inspetor de alunos na mesma situação perceberia R$ 1.459,28. Um engenheiro civil ou arquiteto com carga horária de 40h semanais tinham seus vencimentos iniciais fixados em R$ 3.012,58*. Não seria o caso de também pleitearem um reajuste de 33,24%, em nome da isonomia e equidade?
Em São José do Rio Preto/SP, por exemplo, um guarda municipal em início de carreira (R-01) em 19 de dezembro de 2020** tinha seu vencimento fixado em R$ 2.327,42.
Conforme pudemos verificar, nunca foi tão pertinente a expressão “entre a cruz e a espada” para ilustrar a situação dos prefeitos brasileiros. Ou cortam-se nas valiosíssimas navalhas impostas pelo limite dos gastos com pessoal ou tentam carregar a pesada cruz do novo piso até o momento de serem definitivamente pregados. Na plateia com certeza estarão maioria dos trabalhadores assalariados brasileiros que ganham, em média, R$ 2.449,00***, além de outros servidores públicos, totalmente motivados pelo grande sentimento de injustiça.
Definitivamente o problema da educação no Brasil não se resolve com uma “canetada”.
* Diário Oficial do Município de 12/01/2021 Ano III | Edição nº1732.
** Ano XVII - nº 5147 – DHOJE.
*** Dados do trimestre encerrado em outubro de 2021, medidos pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do IBGE.
Por Adm. Fabio Rinaldi Manzano
CRA-SP nº 134916
Administrador público e advogado, membro do Grupo de Excelência em Gestão Pública do Conselho Regional de Administração do Estado de São Paulo (GEGP-CRA/SP).