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Múltiplas e exaustas!

O Dia Internacional das Mulheres, celebrado em vários países em 8 de março, representa um marco da luta feminina por igualdade e respeito, além de um momento de reflexão sobre as conquistas ao longo da história. Aos poucos, elas estão ocupando mais espaço nas organizações, mostrando que competência, inteligência e comprometimento independem de gênero. No entanto, o que ainda pesa para muitas delas é que, após oito horas de expediente, ao voltar para casa, uma nova jornada as espera. 

Os cuidados com os filhos, familiares idosos, alimentação e afazeres domésticos em geral recaem de maneira desproporcional sobre as mulheres, gerando uma sobrecarga de demandas profissionais e pessoais que tem levado muitas delas à exaustão física e mental.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD revelam que, em 2022, as mulheres que possuíam trabalho remunerado dedicavam semanalmente 6,8 horas a mais aos afazeres domésticos e/ou ao cuidado do que os homens que também tinham uma ocupação. Entre os não ocupados, a diferença era ainda maior: as mulheres dedicavam, por semana, 11,1 horas a mais ao trabalho doméstico e ao cuidado do que os homens.

Essa diferença tão gritante ainda se dá, principalmente, por questões culturais e estruturais. Nos papéis tradicionais de gênero impostos pela sociedade, ainda perpetua a maior expectativa sobre elas quanto às responsabilidades do lar e à garantia do bem-estar dos integrantes da família. 

Nana Lima

Esgotadas e insatisfeitas

O estudo Esgotadas, desenvolvido pela ONG Think Olga e divulgado em agosto de 2023, apontou que das 1078 mulheres entrevistadas, 45% já haviam recebido diagnóstico de algum transtorno mental, como ansiedade ou depressão. 

O estudo questionou, ainda, a satisfação das brasileiras em diferentes áreas da vida. Surpreendentemente, os resultados mostraram que elas não estão totalmente felizes em nenhum setor. Os maiores índices de satisfação, algo em torno de 30%, referem-se às relações familiares e amorosas. Já entre os piores índices estão a capacidade de conciliar diferentes áreas da vida, em segundo lugar, e a situação financeira, que aparece em primeiro.

“Na rotina da maioria das mulheres que cuidam, não existe um momento de descanso, de lazer. Quando entendemos que o trabalho de cuidado, manutenção da vida e afazeres domésticos são uma tarefa como outra qualquer, percebemos que elas nunca param de trabalhar”, explica Nana Lima, diretora da Think Olga e da Think Eva, organizações irmãs que têm como missão sensibilizar a sociedade para as questões de gênero.


      Susana Sefidvash Zaman

Trabalho invisível e não remunerado

A invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pelas mulheres, que inclusive foi tema da redação do Enem 2023, é um problema enraizado na sociedade. Para Susana Sefidvash Zaman, sócia da consultoria Maternidade nas Empresas, apesar dos avanços nas últimas décadas, em termos de equidade de gênero, o trabalho realizado pelas mães e pelas pessoas que assumem as responsabilidades domésticas, na maioria das vezes permanece invisível, subestimado e desvalorizado.

A extensa jornada de tarefas domésticas, conhecida como Economia do Cuidado, é essencial para o bem-estar de todos, porém é um tempo gasto não pago, que impede que elas se empoderem economicamente. Um estudo desenvolvido por pesquisadores de diferentes instituições, com base nos dados da Pnad Contínua entre 2016 e 2022, concluiu que o tempo gasto com os cuidados do lar e da família corresponde a 13% do PIB (Produto Interno Bruto) do País, em média, se esse trabalho fosse remunerado.

“Todo esse dinheiro passa longe do bolso das mães. Elas são as principais vítimas da desigualdade salarial e da exclusão do mercado de trabalho. Acreditamos que elas precisam ter o poder de escolher o caminho que quiserem, seja empreender, trabalhar no mundo corporativo ou cuidar exclusivamente da família. O importante é que seja uma escolha consciente e não uma falta de opção. Ao dar condições para que elas decidam sobre as suas trajetórias, conseguimos transformar não só as suas vidas, mas também as famílias, o mercado e a sociedade. Com isso, fortalecemos o empoderamento feminino, melhoramos as relações familiares e contribuímos para uma sociedade mais saudável”, afirma Susana.


Adriana Midori Fukuda

“Cansei de ser a Mulher Maravilha”

Adriana Midori Fukuda é um exemplo de mulher que se sentiu sobrecarregada diante da dupla jornada, apesar dos incentivos recebidos na vida profissional. Formada na área de exatas, ela atuou em cargos de analista e coordenadora na área de meio ambiente na Unilever, mas como não era bem o que queria para sua carreira, em 2010 iniciou uma pós-graduação em Administração na Fundação Getulio Vargas (FGV), visando atuar na área de gestão. 

No entanto, antes de terminar a pós, ela engravidou. Embora não tenha sido planejado, ser mãe sempre esteve nos seus planos. Com o conhecimento adquirido na pós, ao voltar da licença-maternidade da filha Beatriz, conseguiu a vaga de projetos e passou a cuidar do lançamento de novos produtos para toda América Latina.

Em meio aos desafios da dupla jornada, Adriana engravidou novamente e, em 2014, nasceu sua segunda filha, Fernanda. No retorno da licença, ela conseguiu outra promoção, dessa vez em uma vaga mais sênior. A boa notícia foi um alento para os desafios que ainda viriam. “Durante a segunda gravidez, meu casamento entrou em crise e, em 2016, me divorciei. Minha família toda mora no Paraná e eu estava em Campinas. Meu maior medo na separação foi pensar se daria conta dessas crianças. O processo foi muito difícil e o que me manteve de pé foi a carreira”, conta.


       Adriana e filhas. 

Em 2020, Adriana decidiu trabalhar na Mondelez Internacional, mas em 2021 veio o burnout. “Depois de ficar muito mal, aprendi que para eu poder cuidar das minhas filhas, tenho que ficar bem primeiro. Hoje tenho os meus momentos, faço academia, jogo beach tennis, faço terapia toda semana, tenho acompanhamento médico e não deixo de ir às reuniões das meninas”, revela.

No final do ano passado, ela vivenciou mais uma importante escolha: voltou para o Paraná. A flexibilidade da empresa facilitou a decisão. “Voltei para buscar a rede de apoio dos meus pais. Cansei de ser a Mulher Maravilha. Por mais que esteja realizada profissionalmente e as meninas saudáveis, o que cansa é o mental. Por mais que você delegue, o comando é seu, e era muito coisa para mim”, confessa.

Para ela, toda mãe, por mais forte e competente que seja, precisa de uma rede de apoio e empatia. “Ela precisa e merece ter um tempo para se cuidar. Se você é gestor: será que tem sido empático com as mães que você lidera? Ou se você é marido: você tem assumido 50% das responsabilidade dos filhos? Será que a balança de divisão de tarefas tem sido justa? Por mais que seja o provedor financeiro da casa, você pode fazer mais por eles. A mãe se sente culpada e se cobra constantemente. Na próxima vez que encontrar uma mãe cansada, ofereça ajuda, com certeza ela precisa”, orienta Adriana.

Luciana Cattony

Nova geração de cuidadores

Se antes as mulheres já precisavam se desdobrar para dar conta das responsabilidades profissionais e de cuidado com os filhos, agora, com a população vivendo mais, muitas ainda estão tendo que atrelar uma nova demanda à sua rotina: o cuidado com os pais idosos. A chamada “geração sanduíche”, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), corresponde a mais de um terço da população brasileira, sendo a maioria mulheres em idade economicamente ativa.

Segundo Luciana Cattony, que também é sócia da consultoria Maternidade nas Empresas, o equilíbrio entre as necessidades dos grupos de diferentes idades pode ser desafiador emocional e financeiramente, afinal, o cuidado com os pais idosos pode envolver questões de saúde, planejamento financeiro e logística; enquanto criar os filhos também exige tempo, energia e recursos.

“É essencial que a empresa reconheça os desafios enfrentados pela geração sanduíche e entenda o seu novo papel enquanto rede de apoio dos times. Ao propor ações que abordam o cuidado, inserindo também os homens nesta pauta, proporcionando acolhimento e tratamento mais humanizado, as organizações conseguem criar um ambiente seguro, que é fator chave para a inovação acontecer e para melhores resultados de negócio, além de contribuir para que mulheres prosperem em suas carreiras”, sugere Luciana.

        Ana Luísa de Oliveira Martins

Espremida entre as gerações

Há pelo menos 15 anos, Ana Luísa de Oliveira Martins, administradora e Data Protection Officer - DPO, vive a realidade da geração sanduíche de forma intensa. Embora os cuidados com o filho único, de 20 anos, hoje sejam menores, a atenção com a mãe, de 87 anos, aumentou muito. “Não vou mais ao pediatra, vou ao geriatra. Na sala de espera é clássico, sempre tem uma mulher de 40 e poucos anos acompanhando um idoso”, relata. 

Apesar do desafio de conciliar as demandas, Ana comenta que, pelo fato de ocupar um cargo de gestão, consegue ter mais autonomia para administrar a sua vida pessoal e profissional. “Não enfrento nenhuma dificuldade na empresa quando preciso me ausentar. Estou lá há 10 anos e desde o primeiro momento deixei claro que tinha mãe idosa e que eventualmente precisaria sair e eles sempre foram compreensivos com isso”, conta.

Para continuar crescendo na carreira, a gestora conta que a sua rede de apoio, formada pelo marido, filho e até vizinhos, foi fundamental.  “Vivenciar isso sozinho não dá. Chega um momento em que você vai ter que abrir mão da carreira ou de alguma outra coisa para fazer esse papel de cuidadora e eu não tenho nenhuma intenção de parar de trabalhar tão cedo. Tenho uma rede de amigas que também estão lidando com pais idosos e ter com quem trocar experiência ajuda muito a manter a sanidade. Fazer terapia também é essencial para ter ferramentas para lidar com as dificuldades”, explica Ana.

Como cuidar de quem cuida?

Para aliviar a sobrecarga diária das mulheres em suas múltiplas jornadas e, principalmente, amenizar os impactos na saúde mental, a diretora da Think Olga e Think Eva sugere que a sociedade civil reflita sobre a importância do cuidado. “Todo mundo que chegou à fase adulta teve alguém que dedicou muitas horas para que ela chegasse lá. Então, precisamos fazer essa reflexão e valorizar isso em nossas famílias, ciclos e sociedade”. 

Para Susana, outro passo importante é construir uma sociedade equitativa no que diz respeito ao cuidado com os filhos. Por mais que esse trabalho demande uma abordagem abrangente, pois engloba mudanças culturais, políticas públicas e práticas empresariais inovadoras, tais medidas beneficiarão não apenas as famílias, mas também contribuirão para o desenvolvimento sustentável da sociedade como um todo. 

Nas organizações, cabe o papel de permitir que pais e mães tenham uma rotina mais flexível, além de criar formas de trabalho que respeitem as atribuições da vida pessoal e que contribuam positivamente para toda a equipe. “No nosso trabalho junto às empresas, que visa fortalecer a equidade pela valorização da parentalidade no universo corporativo, sugerimos algumas soluções, como roda de conversa, letramento de liderança, talks e treinamentos para inserir os homens na pauta do cuidado”, comenta Luciana.

O setor público, o governo e as ONGs também devem colaborar com políticas que protejam e apoiem quem cuida e naturalizem os homens como responsáveis pelos filhos e pela casa. “A Secretaria Nacional de Cuidados e Família está adotando estratégias entre os setores para instituir um plano nacional de cuidados. É importante que façamos bastante barulho para que a sociedade civil acompanhe e participe disso, de forma que essa política realmente seja efetiva, tirando a sobrecarga das mulheres, redividindo e sensibilizando a sociedade para a importância do cuidado”, conclui Nana.


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