O importante papel da governança na era do ESG - CRA-SP
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O importante papel da governança na era do ESG

Há exatas duas décadas, o conceito ESG - Environmental, Social and Governance (meio ambiente, social e governança, na tradução) vem pautando a agenda estratégica de diferentes organizações ao redor do mundo, sendo utilizado como um indicador para as ações que impactam não só os resultados do negócio, mas também toda a sociedade.  

No entanto, ao longo destes anos, o debate a respeito do conceito tem focado muito mais os aspectos ambientais e sociais, do que a importância da governança, o G da sigla. Para Sidney Ito, CEO do ACI - Instituto de Governança Corporativa da KPMG Brasil e vice-coordenador do Grupo de Excelência em Governança, Riscos e Compliance - GEGRC, do CRA-SP, para que práticas sustentáveis adotadas pelas empresas sejam efetivas, é imprescindível olhar para a última letra do ESG. “Não adianta falar de meio ambiente e se preocupar com o social se não houver uma governança estruturada na empresa. Sem isso, as iniciativas tornam-se de curto prazo e não um projeto de perpetuidade, que é o que mais se espera hoje em dia”, comenta. 

De acordo com Gabriela Baumgart, presidente do conselho de Administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), a prática pode ser definida como uma jornada que ajuda a organizar processos, além de desafios estratégicos e de inovação. “É ela que guia a empresa independentemente do seu tipo e porte”, explica. A presidente ainda menciona a definição que consta no Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, desenvolvido pelo IBGC. “Governança corporativa é um sistema formado por princípios, regras, estruturas e processos pelo qual as organizações são dirigidas e monitoradas, com vistas à geração de valor sustentável para a organização, seus sócios e a sociedade em geral.”

Gabriela Baumgart

Implementação nas organizações

Apesar das inúmeras questões que permeiam um bom sistema de governança corporativa, engana-se quem pensa que a prática é indicada apenas para grandes empresas. Segundo Gabriela, o pequeno empresário também precisa considerá-la e, para começar a jornada, primeiramente é necessário conhecer o ecossistema no qual o negócio está inserido, para depois entender seu propósito e sua cadeia de stakeholders. “Mesmo que desenvolva seu sistema de governança gradualmente, adotar os princípios desde o início é crucial, seja qual for as características do negócio”, sugere a presidente. 

Nas empresas familiares, por exemplo, a governança corporativa se estrutura na medida em que a organização cresce. De acordo com Ito, a primeira geração da empresa tem uma boa governança, porque é feita pelo seu fundador, que tem todo o controle, conhece bem o seu produto, sabe quem são os clientes, o que quer para o futuro e as estratégias que irá usar para alcançar esses planos. Já a segunda geração normalmente é comandada pelo fundador e filhos. Neste caso, de certa forma ainda há um governo, que pode apresentar falhas, mas que ainda dá certo. Ao chegar à terceira, porém, o negócio já cresceu e conta com vários fornecedores e clientes. “Nesta hora, é preciso estruturar o governo, que antes era individual ou de poucas pessoas. Agora, será de mais gente, por isso precisa ter processos, controles, sistemas de tecnologia e pessoas qualificadas. Aí entra a governança corporativa, se não o negócio não se sustenta e a chance de não dar certo vai aumentando”, conta Ito.

      Sidney Ito

Desafios da governança

Na opinião do CEO da ACI, a grande questão que desafia as empresas é adaptar a governança conforme o crescimento do negócio ou as transformações da sociedade. “Às vezes, pode ser uma mudança silenciosa, como foi a chegada da câmera digital, que fez muitas organizações sumirem. Outro exemplo são as empresas do agronegócio que sofreram os impactos da guerra entre Ucrânia e Rússia, já que os dois países são os maiores fornecedores de fertilizantes para o Brasil, que precisou buscar outras alternativas. Esse é o grande ponto, como é que adapto a governança do meu negócio diante dos riscos do dia a dia? Governar é olhar a curto, mas também a longo prazo por causa da perpetuidade. Não adianta ganhar muito dinheiro hoje e amanhã sumir”, orienta Ito.

Embora os acionistas, conselheiros, diretores e gestores tenham papel importante frente aos desafios dessa jornada, Gabriela comenta que existem mecanismos que ajudam a identificar o estágio de desenvolvimento em governança das empresas, como é o caso da métrica criada pelo IBGC para auxiliar tanto no diagnóstico atual quanto na sinalização dos próximos passos. O site www.ibgc.org.br/metrica disponibiliza gratuitamente essa ferramenta para para empresas de capital fechado (inclusive empresas familiares), startups e scale-ups. “Toda organização passará por desafios em sua jornada, mas se tiver uma governança sólida e baseada nas melhores práticas, com certeza sairá desses momentos fortalecida e terá maior longevidade, inovando e gerando valor”, complementa Gabriela.


Kieran McManus

Evolução tecnológica 

Diante do avanço da inteligência artificial (IA) e da inteligência artificial generativa, como o ChatGPT e o Gemini (antigo Bard, chatbot desenvolvido pelo Google), a governança das organizações vem se atualizando frente às novas tecnologias para fazer melhor uso das inovações.

Segundo Kieran McManus, sócio da PwC Brasil, a utilização da IA na governança corporativa pode, por exemplo, conduzir a decisões melhor informadas e com resultados mais previsíveis. “Historicamente, os modelos de governança dependem fortemente da intuição e experiência humana, mas a IA pode melhorar esses processos com insights baseados em dados”, explica.

Por outro lado, há fatores que limitam a sua utilização, apesar do enorme potencial. De  acordo com McManus, embora a IA trabalhe com dados, ela não consegue replicar a criatividade dos seres humanos, bem como o pensamento de qualidade por trás das soluções. Além disso, em muitos casos os dados são limitados ou não têm qualidade adequada. 

“Atualmente, os sistemas de IA não possuem capacidade de construir a confiança dos conselhos e outros usuários, o que é importante na governança corporativa. Outro ponto é que, em determinadas situações, as regulamentações são altamente complexas e pode ser difícil integrar eficazmente os sistemas de IA sem uma supervisão humana extensiva. E, ainda, a IA não tem consciência das implicações éticas e nem se esforça em desenvolver uma cultura que priorize a transparência, responsabilização, justiça e privacidade dos dados”, elucida McManus.

Vantagens para todos

A adesão de boas práticas de governança corporativa, segundo Gabriela, representa tanto um potencial positivo imediato como de longo prazo para as organizações. Entre as vantagens de integrar os cinco princípios da governança (ver quadro abaixo) na rotina de uma empresa, estão a preservação e otimização de valor, as melhorias de gestão, o acesso a recursos financeiros e não financeiros, a longevidade e sustentabilidade, a administração de conflitos de interesse de forma mais efetiva e a avaliação permanente de propósito.

“Não é possível uma empresa dizer que tem boas práticas se não fornece informações adequadas sobre o impacto que causa, se não lida com as comunidades afetadas por sua atuação. Tradicionalmente, as companhias mantinham apenas compromissos com a redução de externalidades ambientais negativas, mas ainda dentro de um contexto interno, sem considerar tais questões de forma estratégica — o que mudou bastante a partir da reflexão global de integrar fatores ambientais, sociais e de governança nos processos de alocação de capital”, explica a presidente do conselho de Administração do IBGC. 

Para Ito, essas vantagens se estendem também a outras organizações e, consequentemente, a toda a sociedade. Segundo ele, um dos principais benefícios para as empresas que mantêm uma boa estrutura de governança está justamente ligado à questão de capital, ou seja, passar mais segurança a terceiros, àqueles que vão liberar um empréstimo ou figurar como um investidor externo, que pode colocar dinheiro na organização e apoiar o negócio. 

Rumo à padronização

Outra grande questão abordada por especialistas na hora de as empresas comunicarem suas ações ESG, e que também afeta a governança, tem sido a falta de padrão das informações nos relatórios. Tal problema, inclusive, é apontado como um dos fatores para uma prática comum: o greenwashing,  termo que em tradução livre significa “lavagem verde” e refere-se à divulgação de informações falsas sobre sustentabilidade. De acordo com a Pesquisa Global com Investidores 2022, realizada pela PwC, 91% dos investidores no mundo suspeitam que a prática está presente nas divulgações corporativas. 

Para melhorar este cenário, em 1º de janeiro deste ano entraram em vigor as duas primeiras normas de sustentabilidade emitidas pelo International Sustainability Standards Board (ISSB): a IFRS S1 e a IFRS S2. O objetivo delas, segundo McManus, é criar uma linguagem comum para comunicar os riscos e oportunidades relacionados ao clima, nas perspectivas de uma empresa. “Elas representam uma base global abrangente de divulgação de informações de alta qualidade relacionadas à sustentabilidade, juntamente com as demonstrações financeiras, compondo no mesmo relatório. As normas devem melhorar radicalmente a qualidade da informação sobre sustentabilidade e reduzir o greenwashing”, afirma o sócio da PwC Brasil. 

Mediante a divulgação das normas, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) anunciou a Resolução nº 193, que incorpora as normas emitidas pelo ISSB como padrão para as companhias brasileiras listadas na CVM, a partir de 2026. “Elas permitem às empresas contar sua história de sustentabilidade de forma robusta, comparável e verificável, além de fornecer dados úteis para decisões consistentes de investidores em todo o mundo, de forma rentável e segura. Isso traz confiança aos usuários do relatório sobre os compromissos e ações efetivas com temas climáticos e sobre a qualidade da informação”, afirma McManus.

A CVM não foi a única a fazer essa adesão: o Conselho Federal de Contabilidade - CFC também adotou as normas do ISSB e definiu que todas as empresas brasileiras terão que divulgar o seu relatório, a partir de 2026, com base nelas. “O relatório ISSB tornou-se efetivamente o novo padrão de relatório do ESG brasileiro. Ainda que, atualmente, ele reporte apenas informações climáticas, a expectativa é que o ISSB emita normas futuras sobre outras áreas de sustentabilidade”, comenta o sócio da PwC Brasil.

Diante de tantas questões importantes, o CEO da ACI reforça que a governança corporativa é imprescindível para que as ações e divulgações sustentáveis não sejam usadas de forma errônea pelas empresas. “Às vezes o ESG é utilizado como uma iniciativa de curto prazo, para marketing ou até mesmo por modismo. A governança corporativa é importante justamente para que não ocorra nenhuma dessas três irregularidades”, finaliza. 



Princípios da governança corporativa

A presidente do conselho de Administração do IBGC, Gabriela Baumgart, lista abaixo os cinco princípios da governança corporativa, de acordo com o Código de Melhores Práticas sobre o tema, desenvolvido pela entidade. Confira:  

  • Integridade: promove o aprimoramento da cultura ética, orienta a organização diante de situações de conflitos de interesses e ajuda no alinhamento entre discurso e ação. 

  • Transparência: compartilha informações verdadeiras e relevantes, não apenas do desempenho financeiro, mas também de aspectos ambientais, sociais e de governança, fortalecendo a confiança e promovendo relacionamentos sólidos entre todas as partes envolvidas. 

  • Equidade: considera seus direitos, deveres, necessidades e expectativas, tanto individualmente quanto coletivamente. Isso envolve uma abordagem justa, respeitosa e inclusiva, motivada pelo senso de justiça, diversidade, igualdade de direitos e oportunidades. 

  • Responsabilização: age com diligência e independência para gerar valor sustentável a longo prazo e prestar contas de maneira clara e tempestiva, ciente do impacto das decisões na organização, partes interessadas e meio ambiente. 

  • Sustentabilidade: zela pela viabilidade econômico-financeira da organização, reconhece a interdependência com os ecossistemas social, econômico e ambiental, fortalecendo o compromisso e responsabilidade social da organização.


O papel do conselho de Administração

Responsável por proteger o propósito, os valores e a governança da organização, o conselho de Administração agrega em suas atribuições a definição e o monitoramento da implementação de estratégias corporativas, além de conectar a gestão executiva aos interesses da organização.

Segundo Gabriela Baumgart, presidente do conselho do IBGC, os conselheiros devem agir conforme o que for melhor para a organização, considerando propósito, viabilidade a longo prazo e impacto na sociedade e meio ambiente. “Eles têm deveres de confiança para com a empresa, orientando e monitorando a diretoria para gerar valor sustentável”, explica.

Os conselhos de Administração contam com a participação de membros internos, externos e independentes, sendo este último crucial para garantir decisões imparciais. São recomendados para empresas de capital aberto, de grande porte, familiares de médio e grande porte e, ainda, de controle familiar, que tenham condições de adotar boas práticas de governança. “Organizações que operam em setores altamente regulados ou que enfrentam desafios complexos de gestão também podem se beneficiar significativamente da orientação e supervisão do conselho”, complementa Gabriela.

Para evitar a concentração de poder e garantir independência, desde agosto de 2022 a Lei Federal 14.195/21 proíbe o acúmulo do cargo de diretor-executivo (CEO) e presidente do conselho de Administração nas empresas de capital aberto no Brasil. Tal recomendação, entretanto, já era feita por outros órgãos e instituições, como a Comissão de Valores Imobiliários - CVM e o próprio IBGC, por meio do seu Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa.


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