Revisitando “Miopia em Marketing”, o clássico de Theodore Levitt - CRA-SP
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Revisitando “Miopia em Marketing”, o clássico de Theodore Levitt

Você se esqueceu que amanhã é o aniversário de seu filho ou neto, já é noite e a festa será na hora do almoço. Que surpresa para a criança se você aparecer sem nenhum presente!

Você acessa o catálogo no site da Lego ou da Playmobil, seleciona um item e, com alguns cliques, paga pela licença e o brinquedo começa a se produzido na sua própria impressora 3D, com todas as 55 peças sendo esculpidas perfeitamente, de acordo com as especificações exatas de cor, tamanho, peso e forma, assim como todos os encaixes. Tudo enquanto você está dormindo.

Hoje em dia, quando um estudante recém admitido em curso superior de Administração me pede um conselho para o início de sua trajetória, recomendo a leitura – e estudo – do artigo clássico “Marketing Myopia” (Harvard Business Review), de Theodore Levitt , escrito há 60 anos.

As competências, ferramentas, tecnologias e todos os ensinamentos podem ser adquiridos com o tempo, mas o que Theodore Levitt destacou foi o foco, que deve penetrar na consciência do Administrador o quanto antes e nunca mais sair ou ser deixado em segundo plano.

Afinal, o que Levitt escreveu? Um resumo bem rápido começa com a pergunta: “Em que mercado a empresa está?”. Uma pergunta quase infantil, mas ao respondê-la (ou deixar de fazer isso claramente), empresas de todo o mundo crescem ou desaparecem a cada ano, dando lugar a novos concorrentes, focados no consumidor.

Qual é a diferença?

Ao fixar as atenções no nosso produto, podemos sempre melhorá-lo. Sistemas de gestão, compras de insumos, linhas de produção ou fluxos de serviços, embalagens, distribuição, finanças, tudo pode e deve ser aprimorado. Porém, precisamos estar conscientes e seguros de que o que estamos oferecendo ao consumidor é o que ele deseja, e não o que a empresa gostaria que ele desejasse, por mais perfeito que seja.

O exemplo de Levitt foi o das ferrovias, que não se perguntavam “qual é o nosso negócio?”. Os executivos das empresas se posicionaram como estando no negócio de ferrovias e não no de transportes. A prioridade e atenção era entregar o melhor produto, ao invés de servir ao consumidor em seu objetivo. As ferrovias melhoraram suas redes, material, nível de ruído, estabilidade, conforto, etc., mas o desejo do consumidor era ir de um lugar ao outro, abraçando então outras formas de mobilidade.

Para vários mercados e produtos, Levitt continua o artigo mostrando as diferenças entre vender e entregar melhores produtos, versus criar os produtos e serviços que o consumidor deseja. A noção de que fabricando cada vez em maior volume, baratear os custos e confiar no aumento populacional para garantir crescimento à empresa, foi sendo substituída pela conscientização de que antes de mais nada é preciso observar o que dará ao consumidor satisfação.

Vamos olhar alguns exemplos mais recentes: a Blockbuster chegou a ter 9 mil lojas, um sucesso fenomenal, oferecendo um serviço muito desejado: o aluguel de filmes para assistir em casa. Depois de 25 anos, a rede foi vendida e desapareceu em uma década. Hoje, a Netflix e outras preenchem o mercado de entretenimento em casa, com streaming de filmes e programas, em alta velocidade, sem aparelhos adicionais e, principalmente, sem investir tempo e esforço antes e depois da diversão.

Atualmente, o valor de mercado da Netflix é de quase US$ 270 bilhões. O valor equivale ao da Disney, com seus parques temáticos, hotéis, navios, estúdios, canais de TV, lojas, shows na Broadway, produtos próprios e licenciamentos, além de seu próprio serviço de streaming(*). Como chegou aí? Começou remetendo pelo correio os filmes aos clientes (poupando tempo e esforço), continuou ao passar para DVDs, implantou o streaming e finalmente passou a produzir conteúdo próprio.

Observando de nosso ângulo, depois que tudo aconteceu, podemos comparar os dois focos que aparentemente nortearam a atuação das duas companhias:

  • Blockbuster: oferecer filmes para aluguel em grande variedade de gêneros, em quantidade para satisfazer ao máximo o desejo do consumidor, aumentar a presença geográfica em número de lojas confortáveis.

  • Netflix: proporcionar o entretenimento desejado pelo cliente, por qualquer meio.

É claro que a principal lição não é criticar o modelo da Blockbuster, um sucesso e fenômeno em seu tempo. A observação é que a própria Blockbuster poderia ter sido o catalisador para suprir as novas necessidades e desejos com um novo modelo.

Exemplos aparecem constantemente: os filmes fotográficos para câmeras tradicionais, os aparelhos de fax e suas bobinas de papel térmico, os discos de vinil, os cartões postais, o papel carbono, além da incrível sequência fitas cassete/CD, nos walkman, diskman, ipod, iphone…

Em todos os numerosos exemplos, sempre houve uma empresa que produzia o “melhor, mais barato, mais eficiente item, com a melhor distribuição, apresentação e durabilidade possíveis”, até que veio o substituto. 

Em um dos parágrafos do seu artigo, Levitt menciona: “A indústria tem seus olhos tão focados em seu produto específico, que não enxerga como ele está ficando obsoleto”. O que é preciso fazer para sobreviver? Mudar. Transformar-se. Não só como resultado de uma convenção de líderes, gerentes e supervisores, mas sim como um processo contínuo de prestar atenção, levantar dúvidas, desafiar e experimentar.

Agora, voltando ao exemplo do aniversário de seu filho ou neto. Ao acordar de manhã você encontrará as peças fabricadas, o manual de instruções impresso, uma caixa colorida para o brinquedo e até o papel-presente para embrulhá-lo.

Nossa primeira reação poderia ser imaginar o grande custo que essa caixinha terá! Afinal, uma impressora residencial 3D capaz disso! Mas isso é só a primeira reação, como aconteceu em todas as rupturas e evoluções da história. Se pensarmos nas fases, esforços e custos eliminados, vamos lembrar: na fábrica, nada foi feito, embalado, faturado, estocado ou despachado; no transporte, absolutamente nada; a caixa de papelão que protege o produto na distribuição foi eliminada; ninguém visitou a loja de brinquedos, ou seja, sem estacionamento, filas, manuseio, pagamento e liberação; nenhuma gota de gasolina foi gasta, por você ou por transportadores.

Claro que nem tudo poderá ser produzido em casa, mas pense nos inúmeros itens sujeitos a esse progresso, que com o tempo não precisarão vir em veículos de entrega, nem em drones, como plásticos, talheres, copos, canudos, descartáveis, jogos de tabuleiro, quebra-cabeças, chaveiros, material escolar, etc. 

Você pode imaginar e sonhar as mudanças a caminho. Como já disse um sábio, você deve sonhar, só não pode ficar dormindo.

(*) Com base na cotação de fechamento das ações - 15/dez/21





Revista Administrador Profissional - ADM PRO
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