Cultura da doação: seja parte da solução - CRA-SP
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Cultura da doação: seja parte da solução

Na última quinta-feira, dia 23 de abril, o CRA-SP promoveu, em seu perfil oficial no Instagram, a live Terceiro Setor: fundamental no combate à pandemia, que contou com a participação de figuras de grande renome na área, como o Adm. João Paulo Vergueiro, coordenador do Grupo de Excelência em Administração do Terceiro Setor do CRA-SP e diretor-executivo da ABCR; e Carola Matarazzo, presidente do Movimento Bem Maior. 

Durante a transmissão, que alcançou um total de 191 espectadores, foram debatidos temas como a inquestionável importância da atuação do Terceiro Setor em cenários de crise, cultura da doação e o legado pós-pandemia para o segmento que, segundo Vergueiro, tem como papel fundamental contribuir na construção de uma sociedade democrática e melhor para todos. “O Terceiro Setor é parte de uma democracia forte, vibrante e sustentável que, junto aos demais atores da sociedade, atua para promover mudanças no País”, explicou o especialista, exultante ao compartilhar que a mobilização frente à maior crise da história está promovendo, também, “a maior mobilização social já vista no Brasil”, com a arrecadação de aproximadamente R$ 3,3 bilhões por Organizações Não Governamentais (ONGs), para promover o desenvolvimento da sociedade.

Oportunidades e desafios

Como legado pós-pandemia, Vergueiro acredita que, a exemplo das lives musicais ou artísticas, que hoje promovem o movimento de doações online, o cuidado com o próximo se tornará um hábito, muito embora o atual cenário seja de promoção da doação única. Para ele, o essencial agora, para estimular a mudança na forma como a sociedade se relaciona com as causas sociais, será o trabalho de fidelização de doadores e, nisso, o movimento encabeçado por organizações e artistas, além da divulgação da mídia, tem muito a contribuir. No entanto, segundo o especialista, as ONGs também precisam se atualizar para acompanhar o movimento de doação digital. “Muitas organizações ainda não estavam online, não tinham uma estrutura preparada para receber doações e para se comunicar com as pessoas pela internet. Isso agora é obrigatório. A organização não conseguirá mais se posicionar na sociedade se não tiver uma presença online forte. E isso inclui boletins periódicos, redes sociais atualizadas, investir em transparência com a divulgação de relatórios de atividades, balanço anual e gestores da organização, para que todos conheçam quem está na liderança da instituição, além da estrutura para receber doações na internet”, destacou.

Ainda de acordo com Vergueiro, os custos de investimento na presença online são baixos, mas também é preciso haver estrutura de comunicação e multiplicar mídias (Instagram, Facebook, LinkedIn). No que diz respeito à gestão, Vergueiro afirmou que o ambiente digital ainda pode facilitar a realização de leilões, reuniões mais objetivas e práticas, que podem beneficiar a gestão do tempo na organização, para que ela possa focar, ainda mais, na mobilização de doações. “Este é um problema da gestão do Terceiro Setor. A gente é muito focado em projetos e eles realmente são importantes, mas se a organização não prioriza a sua sustentabilidade financeira e sua capacidade de mobilizar receita, não haverá projeto, porque ela não dará conta de continuar. Este momento nos permite investir também nisso”, alertou.

A preocupação de Vergueiro com a questão da mobilização de receita justifica-se pela possível perpetuação do cenário de crise, que pode dificultar a manutenção da estrutura, equipes e atendimento das ONGs. “Esta é uma realidade. As organizações que trabalham com atendimento estão paradas. Elas acreditam muito na preocupação de manter o isolamento e distanciamento social. Mesmo com a incrível captação de recursos online que estamos tendo agora, em que nunca tantas pessoas doaram em tão pouco tempo pela internet, como ocorreu no último mês no Brasil, isso não necessariamente vai dar conta de gerar receita para 200, 500 mil organizações. Se a crise se perpetuar, vamos ter um impacto na gestão financeira muito grande, que pode gerar desemprego e descontinuidade de atividades”, avisou. 

Outros dois desafios apontados por Vergueiro no Terceiro Setor dizem respeito à governança e estrutura profissionalizada de gestão. No quesito governança, ou seja, como a organização faz a sua administração interna para tomar e executar decisões, o especialista acredita que a gestão ainda é mal estruturada em muitas ONGs. “É muito comum um mesmo diretor tomar e implementar decisões. São diretorias voluntárias ao invés de Conselhos de Administração, fazendo um paralelo com as empresas de capital aberto, que possuem um diretor ou gerente-executivo para liderar as decisões do Conselho. No Terceiro Setor essas atribuições se misturam muito. É extremamente comum vermos ONGs que são fundadas e mantém as mesmas lideranças por décadas à frente da organização, tomando e executando decisões”, apontou. 

Para Vergueiro, construir um processo de governança bem organizado promoverá a profissionalização da instituição que, por sua vez, gerará muito mais impacto no trabalho voluntário do Terceiro Setor. “Ações apoiadas por organizações com estrutura profissionalizada de sua gestão, com gestores bem remunerados, metas, indicadores e planejamento estratégico, alinhados a uma governança bem construída, são grandes desafios, mas fundamentais para o desenvolvimento do Terceiro Setor no momento”, destacou.

Cultura da solidariedade

Com 18 anos de formação em Administração e há 13 envolvido com a gestão do Terceiro Setor, Vergueiro disse ter acompanhado o grande desenvolvimento das ONGs nos últimos anos, especialmente no que diz respeito à curva de profissionalização. De acordo com ele, que é reconhecido por sua atuação como gestor de instituições, especialista em captação e, principalmente, como doador, como gosta de frisar, o seu papel principal é o de educar a sociedade para a importância da doação. “Eu prefiro que haja muito mais empresas falando sobre suas doações publicamente, ainda que isso traga muita gente que não entende e critique, do que todo mundo em silêncio sobre o tema, porque a gente está educando e inspirando a sociedade. É um processo! Quanto mais a sociedade falar sobre doação, mais rápido isso se tornará um hábito, mesmo que, no ínicio, isso gere uma visão de oportunismo”, confidenciou. 

E é exatamente essa a linha de trabalho do Movimento Bem Maior, presidido por Carola Maratazzo. Segundo a administradora, o fomento à cultura da solidariedade, ou seja, o amor à humanidade, é o carro-chefe do Movimento, bem como o fortalecimento do Terceiro Setor. “Olhamos para quem irá receber as doações e fazemos um planejamento estratégico, o que chamamos de investimento social privado, que consiste em reverter doações para organizações que promoverão um desenvolvimento ou impacto local e, nesse caso, estamos falando das pequenas organizações do Brasil, que fazem toda a diferença, mas também de organizações maiores, com projetos alinhados a políticas públicas e que estão trabalhando para ajudar a fortalecer os mais diversos setores do País”, explicou. 

Com um histórico de mais de 20 anos no Terceiro Setor, Carola afirma que a gestão de projetos sociais, especialmente a escuta da demanda das organizações, a fim de alinhar projetos e doadores a causas, é fundamental para fortalecer a cultura de doações no Brasil. “Ajudar a cultura de doação é, justamente, falar da responsabilidade da sociedade civil no desenvolvimento do País. A responsabilidade com o outro é enorme e a gente não pode se acostumar a ver gente pedindo esmola na rua ou com a metade da população brasileira sem saneamento básico. Temos que sair da zona de conforto de achar que isso é problema só do governo. É um problema de políticas públicas, das empresas, dos institutos, das fundações sociais e da sociedade civil, que com a sua indignação pode ajudar na construção de um País melhor”, pediu. 

Ainda de acordo com Carola, a cultura de solidariedade nasce do inconformismo: “Quando o outro não está bem, eu também não posso estar bem. A partir daí a gente começa a movimentar uma cultura de solidariedade que pode ser revertida na cultura de doação, seja de amor, de tempo, de escuta ou de dinheiro.”

Administração na crise

Com 50 “pequenos” projetos de grande impacto social local em diversas causas em andamento no Brasil, além de trabalhos estruturantes nas áreas de Educação e Empreendedorismo que, de acordo com Carola, tiveram seus recursos realocados e os cronogramas replanejados, o Movimento Bem Maior foi “assolado” pela demanda da Covid-19 e centralizou seus esforços na captação de recursos para a área da saúde.  Para isso, Carola contou que, logo no início da pandemia, reuniu duas organizações - o Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS) e a AB Social, uma plataforma de doação - para montar um Fundo Emergencial para a Saúde e captar recursos especificamente para fortalecer a rede de hospitais públicos. “A gente doa para hospitais filantrópicos que têm uma lista de demandas, com o auxílio de um Conselho Médico e plano de governança para esse fundo. Estamos trabalhando 14 horas por dia, seja na captação, seja na prioridade do recurso ou no mapeamento de necessidades. O grande papel de um movimento como o nosso é o de articulação, o de ligar pontas: quem pode ajudar quem, onde e de que forma. Esta é uma grande rede, um tecido que se forma no País, numa onda de solidariedade que está ajudando a fortalecer o sistema público”, explicou.

Um dos projetos promovidos pelo Movimento para arrecadar recursos para a saúde foi o Festival online Ao Vivo pela Vida, realizado entre os dias 24 e 26 de abril, em parceria com a Dadivar. Com a participação de diversos artistas, a live também beneficiou a ONG Ação da Cidadania, fundada na década de 90 por Betinho, contra a fome. 

Futuro incerto 

Segundo Carola, tanto as pequenas quanto as grandes organizações, localizadas em centros urbanos ou “perdidas no sertão profundo do Brasil”, foram tomadas pelo medo sobre o que pode acontecer. Cenário acentuado pela paralisação das aulas, que transferiu as crianças para dentro de suas casas em tempo integral, sem merenda ou qualquer alimentação; pelo impedimento dos idosos frequentarem os centros de convivência, bem como todas as medidas necessárias à sociedade para manter o distanciamento social. Porém, ela lembrou que, além desta preocupação social, há todo um problema envolvendo a sustentabilidade dessas organizações. “Dentro dos 50 projetos que a gente monitora e apoia, nenhum deles conta com recursos públicos. Eles dependem 100% de recursos próprios, doados, arrecadados. Há uma aflição muito grande de como será o futuro, até porque a gente sabe que o volume de doação é muito grande nessa época, mas há ainda um ano inteiro para ajudar essas instituições. Enfim, é uma situação bastante complicada”, lembrou.

Pensando nisso, Carola contou que o Movimento está trabalhando para auxiliar, também, na articulação das instituições, muito além do apoio financeiro. “Temos tentado fazer com que as organizações, por menores que sejam, entendam a importância de crescimento, governança e gestão, porque elas precisam aprender a ‘andar com as próprias pernas’, até para que a gente possa apoiar outros projetos. Esse acompanhamento tem sido bastante produtivo, com todos focados em olhar para a crise e tirar dela o melhor que ela pode nos dar, com soluções criativas e novas maneiras de trabalhar”, alegrou-se.

Para finalizar, Carola convocou todos, especialmente doadores, para contribuírem com a organização das instituições solicitando prestação de contas, indicando onde o recurso deveria ser utilizado, participando do Conselho dessas instituições, entre outras ações: “Às vezes é fácil a gente pagar o boleto e deixar por conta do outro, mesmo sabendo que o outro não sabe o que fazer, para depois dizer que o setor é desorganizado. Então eu acho que faz parte também, para quem pode, ajudar na organização, porque faz parte da cultura da doação contribuir com o que é necessário para o setor se profissionalizar”.


Que tal ajudar, você também, no combate ao novo coronavírus?



Neste período de quarentena, organizações sem fins lucrativos se mobilizaram para fortalecer o combate ao novo coronavírus, levando às pessoas em situação de vulnerabilidade itens como alimentos e produtos de higiene. Confira a lista de instituições selecionadas pelo Grupo de Administração do Terceiro Setor do CRA-SP que precisam de ajuda! 



Noemi Vieira Santos

05/05/2020 Ótima matéria
Revista Administrador Profissional - ADM PRO
Publicação física com periodicidade trimestral
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