Sem tempo para lamentações - CRA-SP
Faça download do App |
Sem tempo para lamentações

Sem receita e dependentes de produtos que não podem ser estocados, os setores de turismo, hotelaria e eventos estão diante do maior desafio da história, mas precisam ter agilidade na adequação de protocolos e implementação de novas tecnologias para retomarem a confiança das pessoas e voltarem à ativa

Fique em casa! Foi com a força desta interjeição que os setores de turismo, hotelaria e eventos viram suas receitas, até então positivas, zerarem entre os meses de abril e maio, e suas projeções para 2020, mesmo as embasadas nos cenários mais negativos, desabarem, sem possibilidade de recuperação. Intimamente interligados, os três segmentos foram os primeiros a sentirem o baque da crise e, segundo especialistas, serão os últimos a se recuperarem. As razões? De acordo com Orlando de Souza, presidente-executivo da FOHB (Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil), este grupo precisará lidar com a chamada “pandemia da confiança” na retomada. “Houve uma ruptura no conceito de confiança e somente aqueles que conseguirem agregar segurança a suas marcas terão um diferencial competitivo”, destaca.

Para o Adm. Marcelo Boeger, vice-presidente da AMTSBE (Associação Mundial de Turismo de Saúde e Bem-Estar) e coordenador do Grupo de Excelência em Administração Hoteleira (GEAH) do CRA-SP, a morosidade na retomada das atividades turísticas, shows, eventos esportivos, grandes feiras e exposições, bem como o baixo volume de voos e de eventos corporativos, “respingará” diretamente na performance dos hotéis e de todo o cluster. “Caberá ao gestor desenvolver e aprimorar competências para esse enfrentamento, tais como resiliência, flexibilidade e criatividade. Neste momento, o planejamento de ações é fundamental e, para isso, o acesso a informações corretas e uso de dados para um modelo de predição e controle serão indispensáveis”, explica. 

  Orlando de Souza

Eventos, sim, mas sem precipitações 

Tomado pelo medo, o consumidor foi se moldando durante a quarentena, assumindo novos hábitos e buscando formas de amenizar a carência do contato humano, sem correr riscos. O resultado disso foi registrado com o crescimento do entretenimento online - só no mês de abril, as buscas por live streaming subiram 85% -, assim como a preocupação com propósito e o senso coletivo se tornaram ponto focal. “Essa quarentena veio trazer uma revisão dos valores para a maioria das pessoas. A valorização de experiências, em detrimento dos bens físicos, assim como o propósito das coisas ficou mais evidente”, explica Gabriel Benarrós, sócio-fundador e CEO da Ingresse, que acredita que a produção de eventos, de agora em diante, deve seguir embasada na experiência 360, com impacto e objetivos claros, em formatos híbridos, que mesclam a experiência presencial e online e tornam ilimitada a taxa de ocupação, aumentando o alcance de pessoas para o nível nacional e até mundial.

Ainda assim, Benarrós prevê que a retomada do setor deve ocorrer com cautela. Apesar de reconhecer que os eventos físicos não perderão força e que o mercado de entretenimento e de viagens tende a crescer no pós-pandemia, ele afirma que o tradicional “ao vivo”, com grandes aglomerações, só acontecerá quando a curva de contágio estiver controlada e isso, segundo ele, dependerá do cumprimento das regras e protocolos de segurança estabelecidos e do comportamento dos indivíduos. E, nesse movimento, as tecnologias que permitem o crescimento do streaming chegam com força: “Uma vez que os eventos tendem a se tornar híbridos, muitas empresas estão desenvolvendo novas features relacionadas às produções online, visando maior interação do artista com os usuários, algo bem difícil nos eventos presenciais”, diz Benarrós.

         Adm. Renato Viterbo 

Imersa nesse clima de precauções e adequações, encontra-se a ONG APOGLBT/SP (Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo), organizadora da tradicional Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, evento responsável por gerar um lucro estimado para o município de cerca de R$ 403 milhões, com a mobilização de mais de 3,5 milhões de pessoas vindas de todas as partes do Brasil e do mundo, segundo informações da própria ONG. Planejada para acontecer no último dia 14 de junho, a 24ª edição do evento teve sua data de realização alterada por conta da pandemia. A nova data, dia 29 de novembro, fora ajustada considerando o adiantamento dos feriados estaduais de julho e novembro (Revolução Constitucionalista de 1932 e Consciência Negra, respectivamente), mas já com a previsão de redução de 20% do público, tendo em vista não somente o medo das pessoas voltarem a participar de eventos com aglomerações, mas, também, por conta de o evento não ter sido viabilizado em um feriado prolongado.  

No entanto, de acordo com o vice-presidente da ONG, o Adm. Renato Viterbo, o cancelamento do evento ainda não está descartado. “Temos que pensar em todas as possibilidades, inclusive na não realização, porque o nosso foco é salvar vidas”, admite, reforçando informações disponibilizadas no portal da organização, que orientam turistas e militantes da causa a só comprarem passagens aéreas ou terrestres, organizarem excursões ou reservarem hotéis, a partir de setembro, quando acreditam que haverá um cenário mais claro sobre a pandemia.

Enquanto o futuro não se define, a ONG utiliza a tecnologia a seu favor. Na data em que seria realizada a “Parada LGBT” na Avenida Paulista, foi transmitida, por meio das redes sociais da organização, a “Parada Virtual”, com a participação de influenciadores, artistas e atrações musicais. “Nós nos adaptamos à nova realidade de trabalhos via internet, com rodas de conversas, lives e até a promoção de alguns eventos de maneira digital, pois, apesar de os brasileiros e a comunidade LGBT gostarem de confraternizações ao vivo, entendemos que o momento não permite. Mas continuamos atuando em outras frentes, a exemplo da ‘Rede Parada pela Solidariedade’, com o objetivo de arrecadar cestas básicas, kits de higiene pessoal, cobertores, barbeadores etc. para a comunidade LGBT, ciganos, indígenas, artistas circenses e até famílias heterossexuais em situação de vulnerabilidade”, conta Viterbo.

  Gabriel Benarrós

Preparação para a retomada 

Bastante ativa no processo de planejamento da reabertura do setor de eventos, a Ingresse elaborou uma sugestão de Plano de Retomada, que fora chancelada por diversos players do mercado. Além disso, em parceria com a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, buscou referências em países em estágio mais avançado da pandemia para sugerir protocolos. Segundo Benarrós, o documento teve uma grande repercussão nacional e acabou contribuindo para a construção do Plano São Paulo e Plano Rio de Janeiro (todas as informações pesquisadas podem ser acessadas no portal www.ingresse.com/covid).

Nestas pesquisas, a retomada de eventos ao vivo, por meio do modelo drive-in, fora apontado como uma alternativa ao convencional e, inclusive, já está acontecendo no Brasil, com grande potencial de impacto no pós-pandemia. “Este tipo de evento permite um alto nível de segurança, com quatro pessoas por carro e está começando a crescer no Brasil. Já temos um case no Rio de Janeiro, o LoveCine Drive-in, do produtor André Barros, que está sendo um sucesso de vendas. E o drive-in do Allianz Parque, o Arena Sessions, em São Paulo, acaba de ser aprovado pela prefeitura. A nossa base demonstrou um alto interesse - 85% -  neste tipo de evento, pois não existe absolutamente nada como alternativa de entretenimento ao vivo no momento”, enfatiza Benarrós. 

E nesse clima de retomada, a própria Ingresse vem trabalhando para o lançamento de um novo produto: o #FestaEmCasa. A novidade consiste na venda de ingressos para um show exclusivo, com transmissão streaming de alta qualidade, envolvendo produção e benefícios para os usuários participantes: interação com artistas, escolha do repertório, FanCam - que permite que o espectador apareça na live curtindo a festa em casa ou cantando com o artista. “Este produto irá rentabilizar e profissionalizar o mercado de lives e 20% da receita arrecadada será doada para o projeto ‘Fome de Música’, que tem feito um super trabalho na luta contra à fome no Brasil”, finaliza Benarrós. 

        Igor Camaratta

Oportunidades para o turismo no Brasil 

Formada por 90% de hotéis independentes, a matriz da hotelaria brasileira segue, pelo menos até o final do ano, focada em sobreviver. É o que afirma o presidente da FOHB: “Houve um tsunami e a hotelaria estava na praia, foi a primeira a ser atingida. Não há como evitar perdas. O primeiro momento foi de contenção do desastre, agora estamos na fase da sobrevivência, que deve perdurar, no mínimo, até o final deste ano.”

Isto não quer dizer, no entanto, que a ociosidade de quartos e áreas nos hotéis não possam ser objeto de readequação para outras finalidades que não a da hospedagem, como afirma Igor Camaratta, diretor de Operações e Desenvolvimento da Rede Bourbon, que atualmente opera com 35% de seus hotéis, mas que no auge da pandemia manteve dois deles preparados para apoiar os profissionais da saúde e de serviços essenciais que, por motivos óbvios, tiveram que dar continuidade a suas atividades, evitando,  assim, a exposição de suas famílias ao risco. “Temos visto alguns novos produtos surgindo no meio hoteleiro, como a utilização de quartos para home office de forma mais profissional e a gente sabe que, eventualmente, algumas pessoas precisam desse espaço para trabalhar e que estão recorrendo a hotéis que já estejam abertos. É algo que a gente vai, dentro do possível, readaptado para minimizar as perdas em todos os sentidos”, conta.

Segundo Boeger, o momento pede, ainda, a preparação dos hotéis para a nova economia, com a aumento da capacidade para tecnologias mais robustas e novos serviços. “Não caberá em um prédio analógico a prestação de serviços para uma sociedade digital, já acostumada com padrões mais arrojados em todos os outros serviços. Para isso, as propriedades devem estar com a infraestrutura em dia, para que possam se apropriar das tecnologias existentes e que serão necessárias para uma operação segura”, aponta o coordenador do GEAH, confiante no fortalecimento de tecnologias low touch e de que a economia baseada em dados gere novas formas de predições, para que o setor não fique tão vulnerável: “O gestor deve tirar da gaveta projetos que pareciam desnecessários ou ‘arrojados demais’ no pré-COVID, mas que agora devem ser considerados fundamentais para a redução de impactos.”

  Adm. Marcelo Boeger

Ainda de acordo com Boeger, o importante é ter cautela na retomada do setor hoteleiro, visto que, para ele, uma reabertura sem planejamento fará o gestor “queimar a largada”, colocando em risco os hóspedes, os colaboradores e o próprio negócio. “O mercado hoteleiro está se adaptando ao novo consumidor moldado nesta fase e mais atento à segurança do serviço. Não basta ser seguro, tem que parecer seguro aos olhos do cliente. Aqueles que estiverem mais preparados terão condições de sair na frente, com os processos ajustados, protocolos aplicados e a percepção positiva do cliente frente às ações. De nada adiantará o lindo selo na parede escrito ‘COVID FREE’ se a percepção do hóspede sobre as práticas for ‘insegura’. Teremos que conviver com as premissas de distanciamento social, higiene pessoal, sanitização de ambientes, comunicação e monitoramento durante e pós-pandemia”, revela. 

Respeitado o tempo necessário para que as pessoas se sintam seguras e voltem a viajar, Camaratta entende que o aquecimento do setor deve acontecer com o fortalecimento do turismo doméstico, intensificado pelo alto valor do dólar e das possíveis imposições de barreiras sanitárias internacionais. “O Brasil não é tão dependente do turismo internacional, então entendemos que podemos nos recuperar um pouco mais rápido fomentando o que chamamos de segmento de lazer doméstico, viagens curtas, de carro, explorando os inúmeros locais fantásticos do nosso País. Isso, obviamente, já pensando em 2021, o que seria muito bom para a economia de forma geral e ainda mais para o Turismo, que representa mais de 8% do PIB Nacional e gera milhões de empregos no mundo inteiro”, vislumbra. 

Assim sendo, resta aos destinos e demais empresas do setor se preparem para adotar os novos protocolos trazidos pela pandemia, para atender a este novo perfil de viajante, mais preocupado com a segurança e aberto ao turismo mais simples, em destinos mais próximos, preferencialmente realizados pelo modal rodoviário, classificado em recente artigo publicado pelo presidente da ABIH Nacional (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis Nacional), Manoel Linhares, como a solução para o Turismo no País: “Sempre destacamos a importância das viagens realizadas através das rodovias brasileiras e seu potencial de crescimento e hoje, mais do que nunca, precisamos investir nos destinos para onde levam os 1,72 milhões de quilômetros de estradas. Se antes da pandemia, o turismo rodoviário era a esperança para o desenvolvimento de destinos próximos aos grandes centros, hoje pode ser a solução para o turismo do País.”





O conteúdo foi útil para você?    
Faça login para deixar sua opinão

Assuntos relacionados com Administração Hoteleira

Revista Administrador Profissional - ADM PRO
Publicação física com periodicidade trimestral
Conteúdo produzido pelo Departamento de Comunicação do CRA-SP
Todos os direitos reservados