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Por que você precisa saber mais sobre M&A

Em alta mesmo diante da crise causada pelo novo coronavírus, o setor se mostra um amplo mercado para os profissionais da Administração, que podem atuar em diversas etapas que envolvem um processo de compra ou fusão de empresas

Quem nunca pensou que vender uma empresa (ou parte dela) significava a quebra de um negócio? Quantas vezes não imaginamos, também, que apenas as grandes companhias podiam realizar transações como essas, comprando ou se unindo a outras organizações? A verdade é que o mundo do M&A (do inglês mergers and acquisitions ou, simplesmente, fusões e aquisições) é muito mais complexo do que os nossos pré-conceitos podem supor. 

Sua abrangência é tão grande que nem mesmo esse cenário caótico imposto pelo novo coronavírus foi capaz de abalar o setor. Embora os meses de março e abril do ano passado tenham apresentado queda no número de transações, devido às incertezas do início da pandemia e o pessimismo do mercado, de acordo com o estudo Fusões e Aquisições no Brasil, promovido pela PwC, os números de M&A no País (de janeiro a dezembro de 2020) cresceram 14% em relação ao ano anterior e representaram um volume 48% maior quando comparado à média dos últimos cinco anos. No total, 1.038 transações foram anunciadas em 2020, sendo que 455 delas tiveram seus valores divulgados: um total de U$26,4 bilhões. Deste montante revelado, apenas três transações apresentaram valor de compra acima de U$1 bilhão e a grande maioria (87%) teve valor menor que U$100 milhões. 

Números tão expressivos como estes representam um amplo mercado de trabalho para os profissionais da Administração e são decorrentes de muitas situações, sendo a questão financeira das organizações uma das principais. É bom lembrar, contudo, que isso não se resume a um quadro de falência do negócio a ser vendido, mas sim de falta de estrutura para seguir com as atividades, o que faz com que seus donos procurem outras companhias que possam levar adiante um negócio que detém bons produtos e mercado. 

Para o Adm. José Roberto Ferreira Savoia, professor titular de finanças da FEA/USP e especialista na área de mercado de capitais, também há outras situações importantes na área de M&A. “Negócios em crescimento e com boa solidez se tornam alvo de aquisições porque representam uma vantagem competitiva que aquela empresa compradora não tem, podendo agregar tecnologia, mercado ou produto”, diz. Ele explica que na teoria de expansão das empresas existem dois cenários: o crescimento orgânico, quando a organização cresce por ampliar seu escopo de atuação, trazendo novos funcionários e realizando investimentos próprios; e o caminho pela aquisição, no qual a receita aumenta mais rapidamente ao contar com um mercado já estabelecido por outra empresa. “São maneiras diferentes e que fazem parte de escolhas estratégicas de cada empresa para alcançar seus objetivos a longo prazo”, defende Savoia. 

    Luciana Tornovsky

As etapas de um processo de M&A

Entender como funcionam as etapas dentro de uma negociação que pode culminar na compra ou fusão de uma empresa é essencial para identificar as oportunidades que o setor apresenta. Após a aproximação inicial entre comprador e vendedor, é primordial que alguns passos legais sejam dados, conforme explicam os advogados Luciana Tornovsky (sócia da área de Fusões e Aquisições) e Gabriel Queiroz (associado da área de Fusões e Aquisições e integrante do China desk), ambos do escritório Demarest, um dos mais conhecidos na área de M&A.  “Do ponto de vista legal, o pontapé inicial se dá por meio da assinatura de um contrato de confidencialidade (ou non-disclosure agreement, em inglês), que permite a troca de informações e negociações preliminares, possibilitando às partes analisarem a efetiva viabilidade e as bases para implementação da transação pretendida.”

Concluído esse passo, os interessados seguem com a assinatura de um memorando de entendimentos (ou outro documento similar, como uma carta de intenções ou term sheet), documento que não é obrigatório nas operações de fusões e aquisições, mas que serve principalmente para confirmar o interesse das partes na transação pretendida, como também delinear as principais bases da operação, isto é, preço de compra inicial, condições essenciais, prazos etc. “Outro aspecto importante que poderá ser incluído nesse instrumento preliminar é o prazo de exclusividade”, explicam os advogados. 

Embora não seja obrigatório, esse memorando de entendimento é extremamente frequente nas atuais negociações de fusões e aquisições. Uma das razões para isso é que o processo de M&A costuma ser longo e custoso para ambos os lados. Por isso, é natural que todos queiram se certificar de que há um acordo sobre os pontos essenciais antes de investirem tempo e valores significativos. “Durante a negociação do instrumento preliminar, as partes conseguem perceber quais são os pontos mais sensíveis e quais os que podem acabar com o negócio para a outra parte (deal breakers). Uma vez superados na fase do instrumento preliminar, isso torna também a negociação do contrato definitivo mais fácil e eficaz”, explicam Luciana e Queiroz. 

          Adm. Guilherme Bastos Aguiar

Afinal, quanto vale uma empresa?

Para que os envolvidos em um processo de compra ou aquisição possam desenvolver uma negociação de sucesso, é imprescindível saber quanto realmente uma empresa vale no mercado. O processo de valuation, essencial não só na área de M&A, mas também para os investidores que pretendem realizar aportes em organizações em crescimento, é o que vai dizer por quanto uma empresa pode ser vendida ou adquirida. 

Antes de iniciar essa etapa, contudo, é preciso que os donos da organização estejam cientes de que o resultado dessa avaliação pode ser diferente daquela expectativa criada inicialmente. É o que explica o Adm. Guilherme Bastos Aguiar, especialista em valuation, due diligence, estrutura de crédito com rating e sócio-diretor da GBA Investimentos. “Ocorre muito de o empresário pensar em um número de venda muito aquém do encontrado no valuation e isso, certamente, pode abortar a operação. Minha sugestão é primeiramente entender os sócios, o negócio da empresa e o mercado em que ela atua para verificar se faz algum sentido o que os donos pensam sobre valores. Depois dessa fase realiza-se o valuation”, enumera. 

Para que se possa avaliar corretamen­te a parte contábil e financeira muitos fatores são considerados: os produtos da empresa, sua aceitação no mercado, abrangência de vendas, se há viabilidade para crescimento etc. Para Aguiar, o valuation, além de encontrar o valor justo da organização, é também um diagnóstico a respeito de sua real situação financeira no presente e para os próximos anos, com a ideia do comportamento da empresa ao longo do tempo, o que é extremamente importante não só para uma venda, mas também para a tomada de decisões e boa gestão do negócio. 

No caso de startups ou empresas com menos de dois anos de atuação no mercado, o valuation é ainda mais complexo. “Por não terem histórico, é primordial entender o mercado em que estão atuando, o que está sendo ofertado e o tipo de clientes a ser atendido, bem como a experiência dos sócios envolvidos no negócio. Seus custos operacionais, investimentos necessários e faturamento precisam estar muito bem fundamentados com a realidade para poder lastrear suas projeções”, completa o especialista. 

Como o processo de M&A é complexo e demorado, Aguiar lembra, também, que durante as negociações é provável que o valuation seja realizado mais de uma vez, pois o ideal é que esta análise seja feita a cada seis meses, devido às informações financeiras e contábeis que podem se alterar neste período, principalmente em razão de índices como inflação, prêmio de mercado, custo financeiro, entre outros. 

    Gabriel Queiroz

Garantindo as condições da transação: due diligence

Outro passo importantíssimo no processo de M&A é a due diligence, etapa que faz um verdadeiro raio-x da empresa alvo ou do ativo a ser vendido por meio de um processo investigativo multidisciplinar, envolvendo auditorias legal, contábil, financeira, de compliance e rotinas trabalhistas e fiscais. “Assim, o potencial comprador (ou parceiro estratégico, conforme o caso) consegue ter informações suficientes sobre a existência ou não de impedimentos à transação pretendida (restrições legais, regulatórias, entre outras) e os ativos e passivos envolvidos na operação (principais contratos, clientes e fornecedores, volume de contingências materializadas e não materializadas, por exemplo), conseguindo, desta forma, o conforto necessário para que a transação siga ou não adiante”, explicam Luciana e Queiroz, do Demarest. 

Os advogados ainda ressaltam que o escopo da due diligence precisa levar em consideração a natureza do negócio ou ativo auditado. No caso, por exemplo, de uma empresa do ramo de tecnologia (setor que manteve a liderança no levantamento de fusões e aquisições no Brasil, da PwC, com 398 transações em 2020), um dos pontos fundamentais deste processo deveria ser a análise de regularidade das patentes, desenhos industriais e outros ativos de propriedade intelectual utilizados pela empresa-alvo na condução de seus negócios.

Há, ainda, outro aspecto importante na due diligence: o fluxo de trabalho. É essencial estabelecer um processo pré-definido e acordado entre as partes e seus assessores, como prazos para envio de documentos solicitados pelo lado comprador, organização dessas informações e, ainda, adoção de um padrão para envio de perguntas pelo comprador e de respostas pelo vendedor. “Sem isso, o trabalho realizado no contexto de uma due diligence não apenas corre o sério risco de demandar um tempo maior para ser concluído como, também, pode se tornar um ponto de atrito entre as partes em uma fase ainda inicial de um M&A”, recomendam Luciana e Queiroz. 

        Adm. José Roberto Ferreira Savoia

Expectativas para 2021

Mantendo a alta do ano passado, a expectativa é que o setor de fusões e aquisições continue aquecido também em 2021. Uma das explicações para isso, de acordo com o professor Savoia, é a desvalorização do real, que torna as organizações brasileiras mais atraentes para investidores estrangeiros, o que, em sua visão, é benéfico para a economia do Brasil. “Estamos falando de empresas que passaram por dificuldades financeiras, mas que estão em condições de crescer, possuindo bons mercados e produtos. Muitas vezes, com essa entrada do investidor estrangeiro, você está apenas trocando de mãos o ativo e, com isso, temos uma série de novos investimentos, o que passa a ser interessante para a nossa economia”, diz. 

Savoia lembra que todo o processo de compra ou aquisição, independente da origem dos recursos, implica em um ajuste das estruturas e, muitas vezes, redimensionamento de quadros, fator que pode influenciar diretamente no número de postos de trabalho. “Porém, pensando no conjunto, este ainda é um cenário positivo, uma vez que houve a continuidade da empresa e seus negócios”, afirma. Além disso, o professor lembra que nem sempre esse investidor estrangeiro está sozinho nas operações, pois, em muitos casos, ele atua em conjunto com parceiros locais. 

Onde o profissional da Administração pode atuar? 

Por sua complexidade, a área de M&A é, sem dúvida, um potencial mercado de trabalho para o profissional da Administração, seja dentro de organizações que estão negociando uma fusão ou aquisição ou, ainda, nos escritórios que assessoram as empresas em processos de valuation ou due diligence. “Atividades e qualificações semelhantes também são esperadas dentro dos bancos de investimentos, embora eles não cheguem a participar, por exemplo, da integração, que é uma atividade entre as duas empresas. Porém, eles ainda têm uma atividade adicional que é preparar todo o funding desse negócio, ou seja, identificar as necessidades de recursos e condições mais interessantes para que se realizem as operações”, lembra Savoia, que também é professor do curso de Valuation da Fundação Instituto de Administração - FIA.  

O professor também explica que as organizações que se especializam em crescer por meio de fusões e aquisições costumam ter um time orientado para esta atividade, com profissionais experts que fazem um trabalho de inteligência de mercado para prospectar aqueles negócios que têm um grande potencial de crescimento e que podem produzir sinergias com a sua empresa. É esse time, inclusive, que poderá coordenar a integração das duas organizações, um processo tão importante quanto a negociação em si. “O profissional ou equipe à frente desse processo vai analisar como as áreas das empresas A e B vão se unir, de que forma o sistema de tecnologia de ambas irá se ajustar, como será a integração dos recursos humanos delas. Todos nós sabemos que o sucesso de uma fusão ou de uma compra reside em obtermos sinergias, sejam elas de custos, produtos, tecnologia etc. Se essas sinergias não ocorrerem rapidamente, o negócio pode, inclusive, deixar de ser interessante e ser malsucedido”, reforça Savoia. 

Falando especificamente sobre a área de valuation, que atrai muitos profissionais da Administração, Aguiar lembra que os interessados em atuar no setor devem ter domínio da área financeira. “Os profissionais precisam ter conhecimento contábil em análise de balanços e suas demonstrações, um bom entendimento para realização de projeções financeiras e de fluxo de caixa, além de saber matemática financeira. Trabalhar ou ter trabalhado com crédito é um diferencial para obter um ótimo entendimento na análise. O ideal é procurar um bom curso de valuation, que normalmente possui mais de 30 horas”, finaliza o especialista. 

Você encontra mais informações sobre a área de M&A no Canal A Serviço da Administração, do CRA-SP, no Youtube. Em entrevista exclusiva, Saulo Sturaro, da JK Capital, uma das maiores consultorias na área de Fusões e Aquisições no Brasil, fala mais sobre o setor, suas exigências e curiosidades.



Revista Administrador Profissional - ADM PRO
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