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Os benefícios na contratação de refugiados

Apesar do alto número de brasileiros desempregados, várias empresas têm apostado na contratação de refugiados afim de preencherem suas vagas. A atitude, que a princípio mostra uma preocupação social, se revela vantajosa no dia a dia da organização, que consegue melhorar sua cultura interna e, consequentemente, obter mais produtividade

De acordo com a organização humanitária internacional Médicos sem Fronteiras, mais de 40 milhões de pessoas vivem fora de suas pátrias, buscando refúgio em 67 países pelo mundo por motivos de guerras, crises financeiras acentuadas, conflitos raciais, religiosos, ideológicos e por grave e generalizada violação de direitos humanos. Mais de dois terços dessas pessoas saíram de apenas cinco lugares: Síria, Afeganistão, Sudão do Sul, Mianmar e Somália.  

O Brasil, que tantos refugiados já recebeu durante sua história (como os europeus e japoneses durantes os períodos pós-guerras), é novamente encarado como um porto seguro para milhares de estrangeiros. De acordo com a 4ª edição do Relatório Refúgio em Números, divulgados pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), até o final de 2018 o Brasil já havia recebido mais de 160 mil solicitações de reconhecimento da condição de refugiado e acumulava 11.231 pessoas reconhecidas nessa situação. Apenas em 2018, foram mais de 80 mil pedidos, sendo a Venezuela o país com mais refugiados, com 77% do total das solicitações. 

Programas de apoio 

Depois de conseguir o reconhecimento, o refugiado precisa superar outra grande barreira para seu estabelecimento no Brasil: conquistar uma colocação no mercado de trabalho. Apesar de 34% deles possuírem ensino superior, muitos acabam trabalhando de forma clandestina ou em subempregos para garantirem o próprio sustento e o de seus familiares.  Pensando nessa dificuldade, que se agrava ainda mais por causa do preconceito, da diferença de línguas e costumes e da falta de conhecimento sobre a legislação trabalhista local por parte dos imigrantes, algumas organizações sem fins lucrativos, apoiadas por empresas do segundo setor, realizam projetos que ajudam os refugiados na hora de conseguir uma vaga de emprego através da capacitação profissional. Uma dessas iniciativas é a plataforma “Empresas com Refugiados”, promovido pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), em parceria com a Rede Brasil do Pacto Global. 

Cristiane Lacerda

Iniciado em abril de 2018, o programa tem o objetivo de dar acessibilidade às boas práticas de atuação e engajamento do setor privado com a integração de refugiados no país. De acordo com Camila Sombra, assessora de Soluções Duradouras do ACNUR Brasil, “o projeto destaca casos de contratação, de capacitação (seja na área de acesso ao mercado de trabalho ou no empreendedorismo) e também de sensibilização do setor privado”. O Carrefour, por exemplo, é uma das empresas que aderiram ao “Empresas com Refugiados”. Desde 2012, o grupo promove dentro de sua organização a cultura do respeito e inclusão de todas as pessoas, conforme explica Cristiane Lacerda, Diretora de Desenvolvimento Organizacional do Carrefour Brasil. 

Além dos benefícios sociais promovidos por ações desse tipo, as organizações acabam tendo outros ganhos com a promoção da diversidade étnica-cultural, como a ampliação da visão dos seus colaboradores: “Trabalhar com pessoas de outras nacionalidades nos traz uma perspectiva diferente no dia a dia de como lidar com hábitos e culturas diversas, o que acaba sendo enriquecedor para o nosso trabalho. Isso também impacta no serviço que oferecemos aos nossos clientes, afinal, lidamos com pessoas de todos os tipos e diferentes nacionalidades diariamente e ter essa troca de conhecimento interna nos permite uma comunicação melhor com nossos consumidores”, completa Cristiane. Atualmente, o Carrefour tem em sua folha de pagamento mais de 100 pessoas de 20 nacionalidades diferentes que ocupam diversos cargos dentro da empresa.

Conscientização e treinamento 

Para a contratação de uma pessoa em situação de refúgio ser um sucesso, é necessário, desde o processo seletivo até o dia-dia no ambiente de trabalho, que a empresa adote algumas medidas. Conscientizar o público interno sobre a relevância dessa ação é um dos primeiros passos, como enfatiza Leandro Fernandes, líder de RH do ManpowerGroup, empresa de soluções em Recursos Humanos, parceira de várias organizações engajadas na contratação e capacitação de refugiados. “Primeiramente, é importante que as pessoas nas empresas tenham consciência que a situação de refúgio é apenas uma ‘realidade momentânea’, e que o profissional que está refugiado poderá contribuir com as habilidades e experiências que teve durante sua trajetória em seu país de origem”, destaca Fernandes.

       Lilian Rauld 

A realização de “treinamentos de sensibilização” é uma das ações que a Sodexo On-Site direciona para seu público interno com a intenção de otimizar o processo de adaptação dos funcionários brasileiros com os colegas estrangeiros, como conta Lilian Rauld, head de diversidade e inclusão da empresa. A executiva relata que depois da formatura da segunda turma do projeto “Somos Todos Cuidadores” - iniciativa em parceria com o SENAC e o Instituto Venezuela, que forma copeiros hospitalares -, um grupo de venezuelanos foi contratado e recebeu aulas de português, gratuitamente, para facilitar a comunicação no dia-dia. A “sensibilização” também foi feita entre os gestores, que foram apresentados à cultura da Venezuela e, assim, entenderam que é preciso ter paciência em relação ao idioma. Nesse fluxo de conhecimento, o intercâmbio cultural é ampliado. “Estando juntos, os brasileiros podem aprender espanhol e, os venezuelanos, português. Essa troca é muito rica”, completa. 

Minorias dentre as minorias 

De acordo com a Coordenação-Geral do Comitê Nacional para os Refugiados, as mulheres representavam, em 2018, 34% das pessoas em situação de refúgio reconhecidas no país. Para esse público, alguns projetos de capacitação também foram exclusivamente criados, como o “Empoderando Refugiadas”, uma série de workshops temáticos promovidos pela parceria entre a Rede Brasil do Pacto Global, o ACNUR e a ONU Mulheres. Na última edição do ano passado, o banco ABN AMRO recebeu em torno de 50 refugiadas para palestras e dinâmicas sobre educação financeira. A empresa, além de ceder espaço para essa capacitação, também disponibiliza seus colaboradores para que atuem como uma espécie de mentores das participantes. Com uma estrutura mais enxuta desde o retorno ao Brasil como instituição bancária, em 2013 “houve uma retomada da operação do zero”, como explica Carla Augustin Ruggeri, líder de RH do banco. Isso permitiu o desenvolvimento de uma nova cultura organizacional, baseada no respeito, aprendizado e colaboração, “as três palavras mágicas”, como ela enfatiza. Trabalhar com refugiados foi um passo natural nesse processo de mudança. “Quando eu descobri o projeto, falei: ‘gente, não tem coisa mais triste e injusta do que histórias de exclusão. Devemos, como corporação, ajudar e apoiar o processo de inclusão, pois essa é uma obrigação social’”, diz a gestora.

 Carla Augustin Ruggeri 

Uma das participantes do “Empoderando Refugiadas” é a venezuelana Haygar Garcia, bacharel em Administração e com duas especializações, uma em gerência de recursos humanos e a outra em metodologia do ensino superior. Casada e mãe de dois filhos, com a crise econômica na Venezuela, ela viu sua vida virar de ponta cabeça. Logo o impacto foi sentido no lado profissional: seu salário ficou defasado diante das suas qualificações profissionais, chegando ao equivalente a R$ 40 por mês. Em 2018, quando a situação chegou ao extremo (depois, inclusive, de passar fome), ela, a mãe e as crianças vieram para o Brasil, onde o marido já estava. Primeiro foram para Porto Velho, capital de Roraima, onde ela trabalhou temporariamente como secretária de RH de uma faculdade. Depois, seguiu para São Paulo, onde seu marido havia conseguido uma colocação. “Muitas pessoas não acreditam, mas eu nunca participei de nada político, nunca estive inscrita em partido político e, ainda assim, perdi tudo”, conta a imigrante. Sobre a importância desses projetos sociais de capacitação, ela é enfática. “É fundamental, porque sozinhos não conseguimos. Posso falar com toda propriedade que a gente não consegue uma vaga”. Haygar faz questão de frisar que em Porto Velho só teve uma oportunidade porque uma amiga falou sobre ela com um professor universitário.  

Empatia 

Diante de mais de 12 milhões de desempregados, você empresário ou gestor pode se perguntar porque empregar um estrangeiro no lugar de um brasileiro. A resposta para essa questão, porém, é dada por quem lida diariamente com o drama de tantas pessoas que chegam ao Brasil em busca de um recomeço, muitas vezes sem o próprio documento de identificação. “Na maior parte das vezes, não estamos falando das mesmas vagas, que requerem competências distintas, como falar outro idioma, por exemplo. Várias empresas, apesar dos 12 milhões de brasileiros desempregados, ainda possuem um grande número de vagas ociosas. São justamente nesses setores, onde há pouca retenção de funcionários brasileiros, que percebemos um alto volume de contratação. Essas pessoas também ajudam a movimentar a economia brasileira e a criar novas oportunidades, seja por meio do empreendedorismo ou também pelo apoio à expansão de negócios com as suas experiências anteriores”, finaliza Camila, do ACNUR Brasil. 





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