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ESG e a urgência de pensar no futuro

Modelo que defende melhores práticas ligadas ao tripé meio ambiente, social e governança aquece o debate para que organizações, investidores e toda a sociedade se adequem a um modelo de negócios mais sustentável no longo prazo

É muito provável que você já tenha ouvido falar sobre o termo ESG (do inglês environmental, social and governance). No entanto, é quase certo também que, apesar de esse ser um dos conceitos mais debatidos atualmente, você ainda não tenha entendido muito bem o que ele significa, na prática, para as organizações. Neste caso, a boa notícia é que você não está sozinho: empresas, profissionais, investidores e sociedade em geral ainda precisam aprender muito sobre o tema para poderem aplicar, de forma efetiva, tudo o que ele congrega. A má notícia, no entanto, é que isso precisa mudar urgentemente! 

Nascido em 2004 em uma publicação do Pacto Global em parceria com o Banco Mundial, chamada Who Cares Wins, que falava sobre como integrar fatores sociais, ambientais e de governança no mercado de capitais, o termo ganhou destaque nos últimos anos na medida em que se percebeu que as organizações que se preocupam com questões do meio ambiente, com a colaboração social e com a governança têm conseguido ultrapassar momentos difíceis e, até mesmo, crises inesperadas (como a pandemia do novo coronavírus) de forma mais sustentável. São empresas que, consequentemente, tornam-se mais valiosas e resilientes no longo prazo, oferecendo aos investidores retornos mais efetivos, sem tantos riscos. 

Buscando entender essa evolução, a Rede Brasil do Pacto Global da ONU, em parceria com a Stilingue, lançou recentemente o estudo “A Evolução do ESG no Brasil”, que traz uma análise integrada de informações coletadas via Social Listening e resultados de pesquisa quantitativa e qualitativa realizada com 308 membros da Rede. Entre os destaques do levantamento está a constatação de que as discussões em redes sociais sobre o tema cresceram seis vezes em 2020, em relação a 2019. No entanto, 23% dos proprietários e sócios de empresas que responderam à pesquisa disseram que o termo ESG foi uma novidade em 2020.  

Cabe lembrar que, embora esse não seja um número muito elevado, estamos falando de organizações ligadas ao Pacto Global e que, teoricamente, já deveriam estar engajadas em ações relativas à preservação do meio ambiente, à preocupação social e às práticas de governança, uma vez que os 17 ODSs (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) versam sobre essas questões de diferentes formas.

Por que precisamos ser sustentáveis?

    Adm. Hugo Bethlem

“Somente um capitalismo para stakeholder pode ser ESG”. É assim que o Adm. Hugo Bethlem, presidente do Conselho do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, define o caminho pelo qual as organizações precisam iniciar suas trajetórias frente ao conceito ESG. Para ele, o antigo modelo ensinado nas escolas de Administração, que pregava como única responsabilidade das empresas o lucro do acionista, gerou uma espécie de Burnout nas pessoas e está acabando com o meio ambiente por conta da competição infinita e da acumulação sem limite. 

“Nós não devemos querer ser a maior ou melhor organização do mundo, que usa as pessoas e consome os recursos naturais, mas sim a melhor organização para o mundo, que serve as pessoas e que preserva o meio ambiente. Tudo isso está na mão dos líderes, dos administradores, que precisam pensar no propósito em primeiro lugar, liderar com amor e agir com integridade”, defende. 

Ao analisar os 17 ODSs, Bethlem diz acreditar que as empresas estão preocupadas com suas ações, mas lembra que essa agenda da ONU, criada em 2015 e com metas estabelecidas para 2030, pouco avançou nos últimos seis anos e que a pandemia, juntamente com a crise econômica, revelou um problema profundo: um sistema econômico que não funciona mais. “Devemos construir um futuro no qual todas as pessoas sejam capazes de trabalhar com dignidade e cuidar delas mesmas e de seus entes queridos, onde nosso planeta seja saudável e as economias progridam. Isso é uma tarefa de todos nós e para longo prazo”, acredita o administrador.


Por isso, é importante entender que os pilares do ESG podem ser aplicados em todo o tipo de organização, seja ela pertencente a uma cadeia produtiva ou de serviços. Para Viviane Bauer, sócia da área de Auditoria e Sustentabilidade da BDO, o primeiro passo para criar essa cultura dentro da empresa é conversar abertamente, pois a transparência é fundamental nesse processo. “Primeiramente existe um desconhecimento em relação ao assunto e algumas organizações pensam que não seria aplicável a elas por não terem relações diretas com o ''''''''''''''''E'''''''''''''''' da sigla, por exemplo”, explica. 

Questões ambientais têm ganhado destaque

Prevista para acontecer em novembro deste ano, a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26) reunirá os 195 países signatários do Acordo de Paris, assinado em 2016 e que prevê medidas efetivas para redução da emissão de gases do efeito estufa a partir de 2020. Até o fim do ano passado, porém, apenas 75 signatários submeteram à ONU suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês), ou seja, documentos em que os governos especificam quais metas e medidas serão implementadas a curto, médio e longo prazo para diminuir as emissões. Diante disso, o secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, chegou a afirmar em comunicado recente que os governos estão longe do nível de ambição para limitar as mudanças climáticas e cumprir com os objetivos do Acordo.

           Ana Rocha, presidente da proActive

Essa pauta, que já era urgente há cinco anos, exemplifica a importância da preocupação ambiental não só para os líderes de governo, mas também para as organizações. De acordo com Ana Rocha, presidente da proActive, consultoria que atua nas áreas de Gestão de Projetos e Sustentabilidade Empresarial, os pilares da letra E do ESG estão muito claros e as empresas precisam repensar seus processos.  “É necessário criar e estabelecer regras corporativas associadas ao negócio que reduzam o consumo de energia, de água e que gerem menos resíduo, por exemplo. Como isso é feito? Estudando o produto, entendendo como ele precisa ser concebido e identificando quais são os recursos naturais necessários para sua produção e, dessa forma, buscar mitigar esse uso por meio de fontes alternativas. Vivemos em um país de clima tropical, então por que não aumentar, até mesmo por meio de políticas públicas, o uso de energia solar, entre outras fontes renováveis disponíveis?”, questiona. 

A adoção de uma causa

As práticas socialmente sustentáveis, ou seja, o S do tripé, estão presentes de diversas formas dentro das organizações e estão ligadas à maneira como a empresa se relaciona com a sua comunidade, à sua política de trabalho, ao seu relacionamento com colaboradores, ao cumprimento da legislação trabalhista e atenção aos direitos humanos. O trabalho  conjunto com organizações do terceiro setor também é uma das principais vertentes de empresas que integram o ESG em suas atividades. É nesse quesito, inclusive, que está um importante ponto de atenção: a adoção de uma causa que faça sentido para a organização.

“Quando a empresa incorpora uma causa, as doações não ficam pulverizadas e ela passa a ser mais reconhecida e fortalecida dentro do contexto geral para a sociedade”, explica Tammy Allersdorfer, superintendente de Desenvolvimento Institucional do GRAACC, ao defender que esse relacionamento precisa ser construído com muita transparência. Do ponto de vista da instituição, ela reforça que a captação de recursos deve seguir algumas regras. “Precisamos do dinheiro, mas não podemos aceitá-lo a qualquer custo. Muitas vezes temos a tendência de manter um pensamento emergencial, mas devemos analisar o que uma parceria pode gerar a longo prazo e se ela pode comprometer a minha credibilidade”, defende. 

Ela lembra, também, que mesmo parcerias duradouras e de sucesso podem ser questionadas pela sociedade e conta que o GRAACC ainda recebe dúvidas sobre a legitimidade das campanhas desenvolvidas pelo McDonald’s para angariar fundos para a instituição. O exemplo dado por Tammy é importante para mostrar que a sociedade está atenta às ações de marketing que podem enganar o consumidor e maquiar práticas não verdadeiras. 

Aliás, não basta apenas se engajar verdadeiramente em alguma causa. É essencial que a empresa seja idônea, também, em outras frentes. Recentemente, o escândalo envolvendo o nome de Samuel Klein, morto em 2014 e fundador da rede varejista Casas Bahia, acusado de abuso sexual de menores durante anos, fez o Instituto que leva o seu nome e que tem como foco a educação e a primeira infância, anunciar a suspensão das atividades diante do mal-estar causado pelas denúncias, comprometendo a reputação de todos os envolvidos.

Governança para garantir idoneidade 

     Pedro Melo, diretor-geral do IBGC

Assim como os outros pilares do conceito ESG, a governança, muitas vezes, pode ser entendida como algo a ser aplicado apenas em grandes corporações. A verdade, porém, é que ela deve estar presente em todo tipo de empresa, independente de seu tamanho ou ramo de atuação. Essa, inclusive, é uma importante questão para o avanço do conceito no Brasil. “Hoje, o nosso debate é pela profundidade com a qual a governança precisa ser debatida. Em setores regulados, em empresas de capital aberto e em organizações de grande porte, as boas práticas que estão no nosso código vêm sendo seguidas. Mas temos um país de dimensão continental, que tem um mercado enorme de pequenas e médias empresas que buscam entender como melhorar a sua governança e o que isso significa”, analisa Pedro Melo, diretor-geral do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC. 

Ter uma boa governança significa ser transparente nas suas ações, ou seja, disponibilizar para as partes interessadas as informações que sejam de seu interesse; tratar de forma justa e igualitária os sócios e stakeholders; prestar contas de modo claro, compreensível e tempestivo, assumindo as consequências de seus atos; e ser responsável corporativamente, zelando pela viabilidade econômico-financeira das organizações. “As boas práticas de governança corporativa convertem princípios básicos em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da empresa, sua longevidade e o bem comum”, explica Melo. 

Os investidores e a falta de um selo ESG 

Além de contribuir para um mundo melhor, o que, por si só, já seria o suficiente para as organizações repensarem seus negócios, a adoção do tripé ESG também é fundamental para a atração de recursos e investimentos. De acordo com a Morningstar, empresa americana de análise de dados sobre investimentos, existem atualmente mais de 3.700 fundos que só investem em organizações ESG. Apesar desse crescimento, especialistas apontam a falta de um selo ou certificação independente, que comprove os pilares ESG dentro das empresas, como um fator crítico. 

            Fábio Coelho, presidente da Amec

“Neste momento, temos diferentes standards e instituições propondo formatos de reporte para informações ESG. Nessa ausência de padrão, investidores estão criando seus próprios bancos de dados, incluindo informações públicas e outras que são proprietárias. Isso dá um trabalhão, não é barato e em geral está associado a contratação de um prestador de serviço. Na maioria das vezes, o resultado de tudo isso vira uma nota ou rating, que os investidores usam para classificar as empresas conforme critérios específicos. Nem todas as casas de gestão têm estrutura para tudo isso, o que deve ser facilitado na medida em que padrões mais integradores sejam criados pela regulação”, explica Fábio Coelho, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais – Amec. 

Do ponto de vista das empresas, a falta de formatos e métricas obrigatórias pode também facilitar o chamado greenwashing, ou seja, práticas de propaganda que visam divulgar ações sustentáveis, em especial na área ambiental, sem que sejam, de fato, aplicadas dentro da organização.  

Esses desafios, porém, não são um problema apenas no Brasil e Coelho explica que, embora a Europa esteja na frente nessas questões, todo mundo ainda está aprendendo. “Por um lado, é interessante ver que os investidores estão muito interessados em aumentar o conhecimento sobre o ESG, sobretudo em como integrar essas informações em seus processos de escolha dos ativos para composição das carteiras. Além disso, os ‘donos do dinheiro’ têm demonstrado um interesse genuíno em aumentar as conversas com as empresas, cobrando e contribuindo com informações e visões. Por outro lado, o tema ESG pode ser considerado embrionário não só no Brasil como no mundo inteiro”, finaliza. 


Como medir o impacto socioambiental da sua empresa?

O Sistema B, movimento global composto por 3.843 empresas em todo o mundo que buscam equilibrar propósito e lucro, oferece gratuitamente a ferramenta B Impact Assessment que, por meio de uma série de perguntas, ajuda empreendedores a trilharem um caminho mais sustentável em suas empresas. 

São dois tipos de avaliação: a rápida, que obtém uma visão resumida do impacto do negócio e dura cerca de 30 minutos; e a completa, que leva de 2 a 3 horas para ser finalizada e oferece um relatório mais abrangente. 

Depois da avaliação, é possível comparar o resultado da sua organização com outras empresas e, ainda, criar um plano de melhoria personalizado. 

Saiba mais em https://bimpactassessment.net/pt-pt 


Quer saber mais sobre ESG? 

No último mês de abril, o CRA-SP promoveu mais uma Semana Temática, dessa vez dedicada ao tema ESG, abordando as questões ambientais, sociais e de governança sob o ponto de vista de especialistas de importantes organizações do País, como o Sistema B Brasil, o Instituto Brasileiro de Relações com Investidores – IBRI, a KPMG, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC, o Instituto Capitalismo Consciente, entre outras. 

Ao longo dos seus três dias de duração, a Semana, que foi transmitida pelo canal A Serviço da Administração, no Youtube, teve mais de 13 mil visualizações ao vivo. 

Clique aqui e confira todas as apresentações! 


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